A história a seguir é verdadeira, apenas troquei o nome.
João era diretor da empresa, vivia uma vida profissional intensa, com pouco tempo para relax e para estar com a família. Era casado e tinha dois filhos pequenos.
Em um almoço de domingo em família, já na sobremesa, surgiu um papo sobre sonhos e desejos. Os filhos falaram sobre sonhos. Um deles sonhava em ser astronauta. Em determinado momento as atenções se voltaram para João. Sua esposa soltou a pergunta:
“O que você sempre desejou fazer e nunca fez?”
João tentou fugir da pergunta, balbuciou, buscando escapar dos olhares de todos. Sua esposa insistiu na pergunta e João ficou em sinuca. Ele olhou para o alto, tentando resgatar alguma coisa no fundo da mente. Nos últimos anos, ele viveu a rotina de trabalho tão intensamente que havia enterrado definitivamente os seus desejos e sonhos, o pouco tempo que restava era voltado para esposa e filhos e para atender as demandas de outros familiares. Ele praticamente não fazia nada para ele próprio.
João deu uma resposta clichê:
“Eu sempre desejei aprender a tocar um instrumento musical. Quem sabe um dia?”
A resposta do João surpreendeu a esposa e os filhos. Eles esperavam outro tipo de resposta. A esposa imediatamente emendou uma segunda pergunta:
“Que bacana. Eu não sabia disso. Mas qual instrumento?”
João foi pego de surpresa pela segunda vez. Ele já havia feito um esforço enorme para responder a primeira pergunta. Essa segunda pergunta era mais difícil. Como responder?
Sem pensar muito, ele falou de improviso, mostrando um entusiasmo não muito convincente:
“Saxofone! Tocar saxofone seria o máximo”.
A esposa respondeu com um olhar incrédulo, comentando:
“Huuuum, que surpreendente”.
A conversa sobre sonhos e desejos terminou ali.
Um mês depois, em um novo almoço de família, reunidos mais uma vez, finalmente chega a hora da sobremesa. A esposa puxa a conversa:
“João, lembra daquela nossa conversa sobre o sonho de tocar um instrumento musical? E que você falou que era um saxofone?”
João acenou a cabeça positivamente.
Então ela levanta, contorna a mesa, abre a porta baixo do armário e tira de lá uma caixa de madeira bonita. Segurando com as duas mãos, já que a caixa era grande e pesada, ela pousa a caixa em cima da mesa, afastando pratos e talheres. Os filhos olham surpresos, não sabendo muito bem o que estava rolando.
Ela olha para João e diz:
“Pode abrir! É seu!”
João, ainda desorientado com o que estava acontecendo, puxa a caixa para mais perto e abre curioso, já imaginando o que vinha pela frente.
Dentro da caixa, envolvido na espuma protetora, surge um saxofone reluzente, cor de ouro, lindo e novinho em folha. João tenta segurar o instrumento, meio sem jeito, surpreso com o peso e os detalhes do instrumento. Ele descobre que tem mais peças dentro da caixa.
João sorri para esposa e os filhos fazem fila para segurar o instrumento.
Totalmente sem jeito, ele leva a boquilha do instrumento para sua boca e assopra, na tentativa de obter algum som. Não sai nada e todos riem.
A esposa parece se divertir com tudo, acompanhando as reações com um leve sorriso no rosto. Em poucos minutos ela se vira para o João e diz:
“Acho que você não viu muito bem o que está dentro da caixa. Tem mais surpresas”.
João volta a sua atenção para a caixa de madeira e encontra um envelope dobrado no fundo.
Ao abrir, sua esposa exclama:
“Você acha que eu ia te dar somente o saxofone? Claro que não. Comprei um ano inteiro de aulas para você em uma escola de música aqui perto. Já está matriculado. Agora é com você. Vai realizar o seu sonho.”
Esta história ocorreu com um amigo meu, diretor na empresa onde eu trabalhei por muitos anos. Foi ele próprio que me contou, dando muito mais detalhes além do que descrevi acima. Porém a história ainda não terminou.
Seis meses depois do presente recebido, eu participei de uma reunião de diretoria onde estava o João.
No fim da reunião, já saindo da sala, convidei-o para um café. Foi impossível não perguntar como estava o convívio com o saxofone.
João me deu uma longa resposta:
“No começo foi desesperador. A minha agenda estava uma loucura, não havia como encaixar aulas de saxofone no meio de tantas urgências. Porém, ao mesmo tempo, era um presente de minha esposa, eu tinha um compromisso com ela de tentar… pelo menos tentar. E consegui encontrar um horário ao longo da semana. Eram duas aulas por semana. As primeiras aulas foram difíceis. Por que fui falar em saxofone? Poderia ter dito um violãozinho ou um teclado, mas tinha que ser o mais complicado!!! Tocar saxofone é muito difícil. Tem que coordenar a respiração, exige esforço físico, dói o pescoço, os dedos, fica salivando muito, é baba para todo lado, o instrumento se suja todo, enfim uma loucura. Com os meses o desconforto foi diminuindo e tudo foi melhorando. As aulas deixaram de ser uma tortura e eu passei a gostar. Agora as aulas são um oásis. É o meu ponto de escape da vida louca de trabalho que tenho. Quer saber de uma coisa? Depois de quase seis meses, eu estou adorando. Estou realizando algo que nunca imaginei que poderia fazer e gostar. Sou muito grato à minha esposa”.
Essa foi a história do João. Eu nunca mais esqueci esse relato contado diretamente por ele. Havia satisfação, realização e brilho nos olhos dele. Por mais simples e boba que esta história possa parecer, ela me trouxe ensinamentos que foram incorporados à minha maneira de viver. Falarei disso mais tarde, neste mesmo artigo.
Eu tenho uma outra história pessoal que me também marcou muito. Ela já foi contada em detalhes no meu blog, mas faço aqui um resumo. É a história de um colega de longa data que tem muito medo de altura, uma espécie de vertigem. Ele tem tanto medo, que não chega perto do parapeito de uma janela de apartamento, porque as pernas começam a tremer. Certo dia ele radicalizou e contratou um salto duplo de paraquedas, para ele saltar em queda livre agarrado a um paraquedista profissional. E assim fez.
Cinco anos depois daquele salto de paraquedas, nós saímos para almoçar mais uma vez e celebrar algo muito especial. Durante esse período o meu amigo saltou mais vezes de paraquedas, aliás, muito mais vezes. O que era um desafio virou vício. Em pouco tempo, ele deixou de saltar acompanhado e passou a saltar sozinho, não somente no interior de São Paulo, mas em outras cidades no Brasil e no mundo.
Hoje ele faz saltos de paraquedas enfrentando seus medos e inseguranças. Perguntei se ele ainda tem medo de altura. Ele respondeu:
“Muito medo, minhas pernas tremem e sempre acho que vou desmaiar”.
E retruquei:
“Mas porque você não sente nada quando pula de paraquedas? Qual é a magia?”
Ele respondeu:
“Eu sinto, mas não sei o que acontece. Antes de saltar, ainda dentro do avião, o meu coração fica acelerado e estou apavorado de medo. Às vezes, me pergunto porque estou ali. Mas depois, já nos primeiros segundos no ar, eu entro em outra dimensão e sinto a melhor sensação da minha vida. Estou saltando há quase cinco anos e a sensação de cada salto é exatamente a mesma que tive no primeiro salto: um medo imenso seguido de um enorme prazer. Não consigo descrever. É uma espécie de vício.”
Este meu colega, que preservo o nome aqui, teve um enorme crescimento pessoal e profissional desde então. Ele se tornou outra pessoa. Era um sujeito acanhado, inseguro e introvertido. Ao longo desse tempo, simultaneamente aos saltos de paraquedas, ele passou a fazer coisas que não fazia antes: fez um curso de história, que era um sonho antigo, mudou de profissão entrando numa área completamente nova para ele, morou seis meses sozinho no exterior – longe da família – por conta de um curso que desejava fazer e outras coisas que não cabem citar aqui. Ele realmente virou uma lição de vida para mim. Mudar de profissão e morar no exterior, longe da família, são iniciativas que dão medo, como o salto de paraquedas, mas ele tomou coragem e enfrentou esses medos.
Em nossas conversas sobre o enfrentamento do medo no salto de paraquedas e sobre outras decisões tomadas por ele que contei acima, ele me disse a frase mágica que grudou na minha mente:
“Se você tem medo de alguma coisa, se joga nela”.
Quantas e quantas vezes eu repeti essa frase para mim, em silêncio, quase sussurrando, somente dentro de minha mente. Quando algo estranho surgia na minha frente, lá vinha a frase:
“Você está com medo? Se joga nisso e faz acontecer”.
Foi esse pensamento de encarar as coisas de peito aberto, de não fugir delas, que foi base para enfrentar um dos períodos mais difíceis da minha vida, que foi a história do câncer da minha querida Regina, seguida do capítulo da lúgubre caverna do luto e da luminosa ressignificação de minha vida. Não me vanglorio, longe disso, porém tenho consciência de que não procrastinar e não empurrar as dificuldades para debaixo do tapete foram comportamentos fundamentais que permitiram atravessar esses períodos e chegar aonde estou agora. Nestes momentos, onde saltei no abismo para encarar o problema de frente, emergiram forças e potências dentro de mim que nunca imaginei que existiam.
Parece que é nas crises e nas adversidades que descobrimos, de verdade, o nosso verdadeiro eu.
Nos últimos anos eu venho criando problemas para mim o tempo todo, intencionalmente, me jogando em coisas que não conheço muito bem, assumindo algumas atividades desconfortáveis, bem como criando compromissos e responsabilidades que depois tenho que me virar para cumprir. Foi assim que entrei na escola de filosofia, fiz trilhas de longo curso pelo país e aceitei atividades profissionais recentes que achava que não ia dar conta. Estes são apenas alguns exemplos, mas tenho um caminhão deles. Minha sensação é que estou dando mais espaço para a minha intuição e abrandando a minha tradicional razão dominadora.
Um dos lobos dentro na minha mente foi o responsável por tudo isso. Ele dizia: “Não empurra para frente. Se joga nisso. Teste seus limites. O futuro é agora. Dê chance para você descobrir um Mauro diferente. Tá com medo? Se joga nisso, crie o problema e, depois, trate de resolver. Se tiver que se arrepender por algo, que seja por algo que você fez e não por algo que deixou de fazer”.
Esse lobo afastou todos os outros, ocupando a minha mente quase que por completo. Os outros lobos, aqueles que me geram pavor de sair da zona de conforto e prezam pela segurança aconchegante, apesar de terem se afastado, ainda estão ao meu redor. Conscientemente eu tento mantê-los a distância.
A metáfora dos lobos em minha mente tem sido a base para a jornada de transformação e ressignificação que venho vivendo nos últimos anos. Eu falei detalhadamente sobre isso no artigo “Os lobos dentro de mim”, publicado no meu blog.
Não existe mudança sem desconforto.
O artigo chamado “5 verdades que ninguém te conta sobre um período sabático”, no site “Feliz com a vida”, apresenta cinco aprendizados que a autora obteve ao entrar no sabático. Aqui eu quero destacar o quinto aprendizado, que achei simples e profundo.
A autora afirma que a nossa vida é cheia de desculpas e quase sempre julgamos que os culpados são o trabalho, a falta de tempo e outras demandas da vida. Quando ela decidiu por fazer o sabático, ela pediu demissão e foi viajar. A partir daquele ponto tudo passou a ser responsabilidade exclusivamente dela. Acabaram-se as desculpas! Tudo que ela não realizava era puramente culpa dela, já que ela era dona do tempo e não tinha mais ninguém dizendo para ela o que precisava ser feito. No entanto, ela conta que depois de viver uma vida sufocada por obrigações, é difícil admitir que se algo não está saindo do jeito que você imaginou é porque a culpa é toda sua.
Quando você não tem ninguém ou nada para culpar, a culpa é toda sua.
De alguma forma, a lição acima diz respeito a nos sentirmos permanentemente vítimas da vida, vítimas do destino, nos tornando impotentes para mudarmos a direção da nossa própria existência. Isso dá conforto psicológico porque nos eximimos de culpa ou responsabilidade.
“Estou aqui porque sou refém do meu contexto de vida”, como se eu não tivesse livre arbítrio ou responsabilidade pelo que eu penso, decido e realizo.
Em minhas mentorias voluntárias e gratuitas no Leading Zone, um dos pontos mais discutidos é a dificuldade das pessoas para assumirem as rédeas da própria vida, tomarem decisões e agirem. A grande maioria procrastina, discorrendo uma lista enorme de obstáculos e dificuldades. Não estou amenizando as dificuldades, até porque muitas vezes elas são reais e complexas, mas a maior dificuldade começa dentro da própria mente das pessoas, que se autossabotam, se escondendo nas sombras dos próprios medos e inseguranças.
A procrastinação é um sintoma que tem várias raízes diferentes. Uma delas está centrada em prisões emocionais criadas por nós mesmos. Se você quer entender mais sobre esse conceito, ter uma visão menos filosófica e mais científica sobre procrastinação e possíveis soluções, especialmente na visão da neurociência, recomendo a vídeo-aula do Prof. Pedro Calabrez, disponível no YouTube. Nesta interessante aula o Prof. Pedro fala que a cura da procrastinação é o tédio. Acho estranho? Assista para entender. A vídeo-aula chama-se “A Cura da Procrastinação (que você não quer ouvir)“.
É mais fácil pôr a culpa nos outros e nas coisas. Afinal, o ser humano, em geral, tende a optar pelas decisões mais fáceis, aquelas que não causam desconforto e risco demasiado, mesmo que isso signifique o abandono de sonhos e a convivência com um sentimento eterno de frustração. Isso gera uma sensação de vida incompleta, acanhada e menos iluminada. Ou seja, optar constantemente pelo conforto e pela segurança gera desconforto dentro da gente.
Viver na zona de conforto nos gera o pior dos desconfortos, aquele desconforto que carregamos dentro da gente continuamente, uma leve angústia que nos definha aos poucos e nos cria a sensação de que está faltando alguma coisa dentro de nós. Viver na zona de conforto não é viver na plenitude. Viver na zona de conforto não alimenta a nossa alma.
Sobre esta questão incômoda de optarmos pelas decisões mais fáceis, convido você a assistir este interessante vídeo do TED chamado “Segredos da mente e do livre arbítrio revelados por truques de mágica”. Ele tem um pouco mais de 8 minutos de duração e é conduzido pela Dra. Alice Pailhés, doutora em psicologia, cientista, pesquisadora e ilusionista. Selecione legendas em português.
Dra. Alice Pailhés afirma:
“Sou fascinada pelos fatores sutis que influenciam as nossas escolhas e como entender as nossas falhas pode nos devolver algum poder. Truques de mágica fornecem uma ferramenta poderosa para investigar este tema e nossos experimentos mostraram isso. Nós, seres humanos, tendemos a tomar as decisões mais fáceis. No entanto, quando somos lembrados de que temos controle sobre nossas escolhas e sabemos que nossas ações importam, em vez de agir sem pensar, podemos realmente tomar decisões mais pessoais e ser menos facilmente influenciados.”
As várias histórias contadas acima me trouxeram ensinamentos importantes que compartilho a seguir. São exemplos evidentes de que o destino de nossas vidas está integralmente em nossas mãos, de que ele é resultado direto da nossa consciência e da nossa coragem por fazer escolhas e optar por ações que realmente gerem propósito, satisfação e realização pessoal.
Eis os 3 ensinamentos que tento carregar para minha vida, são simples, mas bem difíceis de serem executados no dia a dia.
1
Não procrastinar. Falando de outra forma: é não empurrar as coisas para frente, sejam elas sonhos, desejos, problemas ou desconfortos. Ao protelar o que realmente importa na minha vida, eu estarei me autossabotando. Atualmente eu não aceito mais que este comportamento brote dentro de mim e me domine.
2
Não deixar os medos e inseguranças nortearem as minhas escolhas e decisões. Eu sempre tento ter controle sobre as minhas escolhas. Procuro estar sempre atento e consciente, agir de forma não automática, não ser facilmente influenciado e não aceitar comodamente a decisão mais fácil.
3
Este é ensinamento mais poderoso: quando eu tenho um sonho, desejo ou objetivo, eu não espero mais, eu o coloco na minha frente, eu crio uma situação tornando-o irreversível e premente, fazendo com que eu me jogue nele. Foi isso que a esposa do João fez ao comprar o saxofone e um ano de aulas para o marido. Ela colocou a situação na frente dele, não restando ao João qualquer alternativa senão agir imediatamente.
Por fim, uma filosofia de vida que aprendi a duras penas e que já foi citada anteriormente neste artigo. Ela encampa muito bem os aprendizados acima.
Se um dia eu me arrepender, que seja de algo que fiz e não de algo que deixei de fazer