Na caixa de emails recebo um email me oferecendo um cruzeiro ao redor do mundo com duração de 4 meses e um outro com uma oferta promocional de viagem para ver o Miami Open ao vivo… no instagram pulam posts banais de vida feliz… no linkedin se multiplicam as pessoas exaltando as empresas onde trabalham (o linkedin parece ter virado canal de comunicação interna das empresas)… na TV aberta não tem nada de interessante, nenhum programa e nenhuma publicidade me seduz… meu celular grita com ligações de robôs oferecendo empréstimo consignado para aposentados… continuam pulando na minha frente notícias de que IA e ChatGPT vão transformar o mundo… minha mãe reclama dos preços da dúzia de laranjas na feira (ela tá certa!)…
UM DESGARRADO
Dias atrás, um mentorado fez um comentário bem-humorado: “Vejo muitas pessoas que adoram comprar e vestir roupas e calçados com grandes marcas estampadas. É símbolo de status social. Está errado. As marcas é que deveriam nos pagar para andarmos com suas marcas nas nossas roupas em tamanho desproporcional”.
Ensaio um pequeno sorriso, acompanhado de um pensamento que guardo comigo: “Que bom, achei um chato igual a mim… e bem mais jovem do que eu. Há esperança no planeta.”
O mundo anda chato. Talvez tenha sido sempre assim, mas me despertei para isso há pouco tempo. Nem desejo entrar no debate da injustiça social, da desigualdade, das guerras, do extremismo etc. Concordo com tudo. O mundo caminha no fio da navalha, reconheço, porém me sinto desconectado e distante da grande parte do que salta diante dos meus olhos. O resultado é que tenho estado muito menos antenado do que acontece no mundo e até perto de mim. Além disso, socialmente eu estou bem mais seletivo.
Sou um desgarrado. Isso fica evidente no meu post “Mandamentos, costumes e hábitos de minha nova vida” onde apresento uma lista dos meus atuais hábitos e direções de vida. Numa autoavaliação, eu estou me tornando mais rabugento e o nível de chatice continua aumentando. Porém, meus amigos e mentorados avaliam-me com uma pessoa agradável, divertida e otimista. Eles não sabem de nada.
A VIDA QUE EU QUERO VIVER
Ao me deparar com o TEDx chamado “O que torna as pessoas chatas?”, de Julia Berkenfeld, pensei: este TED é para mim! A jovem apresentadora fez uma pesquisa sobre a chatice das pessoas e tenta nos ajudar a responder a seguinte pergunta: Você está vivendo uma vida chata?
Apesar de ter achado este TED um pouco chato (desculpe, eu não podia perder a piada, apesar que este TED é chato mesmo), insisti em vê-lo até o final. Julia diz que ficar entediado ou chato é uma perda de tempo de vida e dá algumas dicas de como fazer a vida valer mais a pena.
O grande mérito deste TED e que me fez citá-lo neste artigo, é que ele nos coloca diante de uma pergunta fundamental: Estou vivendo a vida que eu quero viver?
Esta é uma pergunta cuja resposta não é binária. Acho que ninguém conseguirá respondê-la com um simples “sim” ou um simples “não”. A resposta surgirá longa, com voltas e meias voltas, e provavelmente será inconclusiva.
A pergunta é difícil e complexa porque, lá no fundo, a resposta depende de uma outra pergunta mais difícil ainda: Eu tenho consciência da vida que eu quero viver?
Rolou um momento de iluminação dentro do meu ser, porque é exatamente isso que estou atrás nos últimos anos: elaborar respostas para as duas perguntas a seguir.
Qual é a vida que eu desejo viver? O que me alimenta e me faz feliz de verdade?
Caso tenha interesse, assista o TED “O que torna as pessoas chatas?”, de Julia Berkenfeld (pode configurar legendas em português).
A TEORIA DOS 4 S
Vou contar algo que já contei em post anterior mas que cabe muito bem neste artigo: a teoria dos 4 S de Romeu Busarello.
Certa vez, em uma palestra, o meu amigo Busarello disse que a vida típica de qualquer ser humano pode ser dividida em 4 S.
O primeiro S é o de SOBREVIVÊNCIA, que vai até aos 25 anos. É quando aspiramos comprar os primeiros bens, nos sentimos perdidos em que profissão seguir, almejamos uma vaga de emprego, vivemos os primeiros relacionamentos, começamos a dar os primeiros passos na vida e tudo é novidade.
O segundo S é o de SUCESSO, que vai dos 25 aos 50 anos de idade. É quando constituímos família, criamos filhos, ralamos no trabalho, buscamos juntar dinheiro, desenvolvemos os repertórios social e profissional, ou seja, é a fase que queremos ser alguém na vida e ter sucesso em várias dimensões. É uma fase de muito trabalho, busca insana por crescimento profissional, acumulação de patrimônio e se tornar relevante na sociedade. São muitos pratos para equilibrar ao mesmo tempo, enquanto subimos a íngreme montanha da vida.
O terceiro S ocorre na fase dos 50 aos 75 anos de idade. É o período que estou vivendo. Essa é a fase do SIGNIFICADO e do Propósito. É uma fase que surge sutilmente em nossas vidas, aparece como uma inquietude, que vai crescendo lentamente e nos dominando ao longo do tempo. Ela começa a ficar evidente nas pequenas coisas, nas atitudes e nos pensamentos… na nossa impaciência. Aí começam os questionamentos da vida que vivemos, que não param mais. Essa é uma fase em que não falamos mais em qualidade de vida, mas em vida com qualidade. Parece um pequeno jogo de palavras, mas não é.
Na minha idade, eu quero viver uma vida que vale a pena, quero fazer o que me dá prazer, viajar, aprender e conhecer, ajudar quem precisa, me desenvolver espiritualmente, fazer o que é certo e não porque alguém está mandando. Eu não quero apenas fazer exercícios físicos, mas também exercícios para alma. Busco viver mais para mim, fazendo o que me alimenta e me enobrece.
O último S é dos 75 anos em diante, que é o S de SOSSEGO. É a fase do “não me enche o saco porque eu estou bem na minha”.
Segundo o meu querido amigo Busarello, quando passamos dos 50 anos de idade a gente já viveu o suficiente para não precisar se provar para os outros, por isso ganhamos o direito de decidir pelas coisas que nos fazem bem, nos colocando como prioridade. Ou seja, já temos quilometragem de vida e por isso ganhamos o delicioso direito de falar “foda-se” para algumas coisas. Confesso que tenho exercitado esse direito algumas vezes, sempre falando quietinho dentro de mim, mas com carinho e ternura.
No momento que escrevo este artigo, eu tenho 63 anos. O bom da minha idade, pelo menos no meu caso (tem gente que pensa diferente), é que eu não sinto necessidade de provar mais nada para ninguém, apenas para mim mesmo. O desafio sou eu mesmo.
“O mundo não vai se adaptar a mim. Tenho de me refundar, porque o que me trouxe até aqui não é o que vai me levar adiante” - Romeo Busarello
FORA DO MUNDO
Volto a pensar no mundo ao meu redor e no meu momento de vida. Claramente estou vivendo o período do S de SIGNIFICADO. Busco propósito nas coisas e, por isso, me sinto tão desconectado do que vejo, sinto e recebo.
Me pergunto como “VIVER A VIDA” de forma mais leve, com mais satisfação pessoal e sentido. Tenho encontrado indícios de respostas nos estudos de filosofia e outras leituras, inclusive nas redes sociais, mas sempre exigindo muita busca e garimpagem. É como buscar pequenas pedras douradas no meio de muitas pedras ordinárias.
Nesta busca para dentro, eu e Valéria temos estudado diversas linhas de pensamento, vivido experiências diferentes, nos aproximado de pessoas alternativas e muita filosofia. Vou continuar escrevendo sobre isso em futuros posts, especialmente sobre o nosso atual estudo de Vedanta.
Na busca de entender melhor o meu momento, de desvendar a inquietude que rola dentro do meu interior, me deparei com o conceito japonês de ikigai.
IKIGAI
Pelo que pesquisei, Ikigai carece de uma tradução literal para o português, mas seu significado gira ao redor de conceitos como: “a razão para viver”, “o motivo pelo qual eu acordo todos os dias”, “o caminho para encontrar a felicidade” e “propósito de vida”.
Para entender brevemente o que é ikigai, indico o curtíssimo artigo “Conheça o conceito japonês para uma vida longa, feliz e significativa”. Este artigo foi escrito com base no original publicado pelo World Economic Forum. Outra dica boa, é o livro bestseller “Ikigai” de Hector Garcia. Eu ainda não li, mas está na minha wish list.
O meu lado perverso de engenheiro sempre tenta simplificar tudo. Sob esta ótica, ikigai é uma ferramenta de autoconhecimento que endereça algumas áreas específicas da vida pessoal e profissional das pessoas, identificando intersecções, que surgem como possíveis potenciais e fraquezas. Peço desculpas se decepcionei alguém com a minha descrição crua, simplista e racional.
O que me chamou a atenção foi a imagem que encontrei no artigo, que tomo a liberdade de reproduzir aqui no artigo.
São 4 perguntas básicas:
É algo que amo fazer?
Eu sou bom nisso?
O mundo precisa disso?
É algo pelo qual posso ser pago?
A imagem me fez pensar, especialmente as áreas sobrepostas. Fiz o exercício.
Fazer algo em que sou muito bom e que eu amo fazer, esta é a minha PAIXÃO;
Fazer algo que o mundo precisa e que eu amo fazer, esta é a minha MISSÃO;
Fazer algo em que sou muito bom e ser pago por isso, esta deveria ser a minha PROFISSÃO;
Ser pago para fazer algo que o mundo verdadeiramente precisa, esta é a minha VOCAÇÃO.
No entanto:
Fazer muito bem o que eu amo e o que o mundo precisa, vai me dar ALEGRIA e PLENITUDE, porém, se eu não for pago para isso, eu não alcançarei PROSPERIDADE;
Se sou pago para fazer algo em que sou bom e que o mundo precisa, isso vai me dar CONFORTO, mas se for sem amor, viverei com um SENTIMENTO DE VAZIO;
Fazer muito bem o que eu amo e ser pago por isso, vai me gerar SATISFAÇÃO, mas se for algo que o mundo não precisa, surgirá um SENTIMENTO DE INUTILIDADE;
Fazer o que mundo precisa, que eu amo fazer, e ser pago para isso, significará viver uma vida com ENTUSIASMO e COMPLACÊNCIA, no entanto, se eu não for bom nisso, eu viverei com INSEGURANÇA por me sentir incapaz.
Tentei aplicar o exercício na minha realidade atual e gostei do resultado. Consegui encontrar algumas coisas interessantes. Vou guardá-lo comigo e não dividir aqui porque é algo que preciso ainda elaborar melhor. A ferramenta me parece poderosa e evidentemente ajuda no desenho de um plano de vida.
O segredo é encontrar respostas e um equilíbrio endereçando as quatro áreas (Paixão, Missão, Profissão e Vocação) para então chegar ao meu ikigai.
Tem um TEDx chamado “Ikigai: o segredo para uma vida com propósito”, de Emily Bidle, que resume isso e tem legendas em português.
MINIMALISMO, DESAPEGO, ESSENCIALISMO E MUITAS PERGUNTAS
Dias atrás, em uma troca privativa de mensagens no LinkedIn com Cassio Freitas, comentei com ele que eu estava vivendo uma vida mais MINIMALISTA. Em uma mensagem seguinte, ele me comentou ainda não saber muito bem o que é ser minimalista.
O fato é que eu também não sei muito bem. Acredito que o conceito de minimalismo é claro para a maioria das pessoas, porém o grande lance é como transformar o conceito em vida prática e realidade. É algo muito pessoal e relativo, pois diz respeito a valores, prioridades e escolhas individuais.
No meu caso, ser minimalista é diminuir a minha “mochila da vida”. Esta imagem da mochila simplifica o meu conceito. Significa reduzir excessos e reduzir consumo, me desfazer de objetos desnecessários, ser menos materialista e buscar uma vida mais simples, me desfazendo de coisas que me geram apego e/ou responsabilidade para cuidar e manter. Isso significa viver em um espaço menor, ser mais organizado, não acumular, agir como um consumidor mais consciente, praticar sustentabilidade e até me desplugar das redes sociais para viver interações mais plenas da vida real. É tudo isso!
Quanto menos eu tenho, mais fácil fica a vida, mais leve eu me sinto, e mais liberdade eu tenho para viver novas experiências.
Nesta jornada, a palavra que surgiu forte em minha vida nos últimos anos foi DESAPEGO. Com o passar do tempo, o exercício forçado de me desapegar das coisas e ficar mais leve, tornou-se uma espécie de filosofia para o meu viver. Obviamente que isso representa a busca por uma vida mais frugal, menos sofisticada e opulenta. Este movimento acaba repercutindo na minha alimentação, nas roupas que visto, na minha moradia e nos meus planos futuros de vida. Esse “modo de viver” não é fácil, porque o nosso lobo interior, o nosso ego, não aceita essa mudança tão facilmente. Portanto, essa não é uma transformação rápida e radical, ela é uma mudança lenta e sutil, que ocorre nas pequenas coisas.
Ao ler o livro chamado “Essencialismo”, de Greg McKeown, eu conheci o termo ESSENCIALISMO, que me parece muito coerente com o meu conceito pessoal de minimalismo. Já recomendei este livro em artigo anterior e aqui reforço a recomendação.
Minimalismo, Desapego e Essencialismo estão associados a várias perguntas importantes: O que é suficiente para mim? O que é essencial? Como viver bem na obscuridade? Como domar o meu ego? O quanto segurança e conforto comandam as minhas decisões de vida? O que me faz feliz?
MAIS PERGUNTAS
O mundo e a sociedade jogam demandas e expectativas na nossa cara e nós, em geral, as adotamos como questões fundamentais para construirmos uma vida exemplar. Eis alguns exemplos: Ter uma carreira profissional de sucesso, ser feliz, constituir uma família e conquistar a independência financeira.
São pontos importantes, reconheço, mas antes deles existem outros que me parecem ser ainda mais primordiais: O que é viver para mim? O que realmente alimenta o meu coração e minha alma? O que faz a minha vida valer a pena? Ao investigar possíveis respostas para estes dilemas, fica quase impossível não lembrar do ikigai.
Estou vivendo uma fase em que perguntas jorram o tempo todo dentro de minha mente. Apesar de todas elas exigirem respostas, confesso que não estou muito preocupado com elas. Atualmente, o que está norteando a minha vida são as PERGUNTAS, porque são elas que me ajudam a ponderar as minhas ESCOLHAS e DECISÕES, mesmo não tendo respostas precisas e específicas. O mais importante é que não estou mais vivendo no automático e nem no “modelo” instituído pela sociedade. Estou sendo muito questionador comigo mesmo.
A sociedade nos cria um foco excessivo nos personagens e perfis que criamos e adotamos ao longo da vida. Personagens como pais, mães, avôs(ós), filhos(as), funcionários(as), alunos(as), chefes, autoridades etc. Perfis como pessoas simpáticas, bonitas, aventureiras, inteligentes, curiosas, divertidas etc. Ao recebermos tais selos e carimbos, nos apegamos a eles e fazemos de tudo para sermos perfeitos no desempenho destes papéis, sentimos necessidade de sermos constantemente validados pelos outros, nos tornamos dependentes… e esquecemos de nós mesmos.
Tal qual uma cebola, nós estamos no centro de tudo. E, curiosamente, o que menos conhecemos de nós mesmos é o nosso sol interior, o sol que brilha dentro de gente, a nossa real identidade. Porém, ao “vestirmos” todas as camadas de papéis que criamos e lutamos por mantê-los, a nossa chama interior vai se apagando lentamente, até ser completamente obscurecida e abafada. Na essência, nos tornamos uma outra pessoa para carregarmos todos os personagens e características pelos quais temos um apego infinito.
Nesta busca infrutífera, nos tornamos desconhecidos de nós mesmos e aceitamos viver uma vida incompleta.
MATURIDADE
Dias atrás, em uma conversa casual com um grupo de amigos, rolou uma conversa sobre maturidade e pessoas mais velhas. Alguém comentou que a idade traz maturidade, como se os anos vividos significassem necessariamente mais maturidade. Eu não puxei a questão, mas esta afirmação gera um bom debate.
A lógica nos gera a percepção de que, quantos mais anos vividos de vida, mais maduros seremos. Racionalmente isso faz sentido, porém vejo jovens muito mais maduros do que algumas pessoas mais velhas que conheço. Portanto, relacionar maturidade diretamente com idade pode não ser uma boa, porque maturidade não é necessariamente dependente da idade física e cronológica.
Maturidade é algo interno, é um DESPERTAR interior que depende de muitos fatores, que repercute na forma como lidamos com o mundo ao nosso redor, com os desafios, as adversidades, emoções, relações, responsabilidades e tudo que a vida coloca diante da gente. É algo intimamente conectado a autoconhecimento e autodesenvolvimento.
Maturidade pode ser vista por várias dimensões, tais como maturidade física, emocional, espiritual e afetiva.
Tenho uma visão muito particular sobre maturidade, porque eu mesmo procuro me avaliar em relação a isso. Para mim, amadurecer é me reconhecer como um SER HUMANO com deficiências e imperfeições. Amadurecer é acolher as minhas limitações e me entusiasmar com meus potenciais e habilidades. Amadurecer é entender que o meu brilho e encanto vem da maneira como eu verdadeiramente sou e não das minhas idealizações. Amadurecer é me ver no espelho e sorrir para mim mesmo, ainda que torcendo o nariz para minha pele mais enrugada e meus poucos cabelos grisalhos.
Às vezes me autoanaliso se estou pensando, agindo e fazendo escolhas de forma madura, e não como o Mauro de alguns atrás, ainda preso a alguns conceitos de vida que estou tentando ressignificar.
Maturidade também envolve FECHAR E ABRIR CICLOS, mesmo que alguns não tenham sido tão bons como eu gostaria, com o meu ego por trás insistindo em não aceitar mudanças. É importante reconhecê-los, aceitá-los e agradecer a vida em movimento. E aqui, surge a palavra mais importante associada a maturidade, que é GRATIDÃO.
Amadurecer é ser grato por tudo aquilo que vivi e que estou vivendo, por tudo aquilo que tive e tenho agora. É admitir que através das minhas conquistas e, também, das adversidades e dificuldades, eu tive reais OPORTUNIDADES de crescimento e de releituras sobre mim mesmo.
Penso que a maturidade nos leva a duas manifestações: consciência e despertar.
A primeira é a CONSCIÊNCIA do nosso desconhecimento e miopia em relação à vida, que endurecem e solidificam as camadas de papéis que carregamos, tornando-os inquebrantáveis. Conforme já dito antes, nos sentimos dependentes deles e nunca nos libertamos desta carga. Inconscientemente, criamos padrões de comportamento pela necessidade de aprovação e apego. Desta forma, é o inconsciente que governa a nossa vida e cria a nossa realidade repleta de situações indesejáveis, insatisfações, conflitos, sofrimentos e resultados que nos decepcionam. É igual uma mochila gigante, cheia e pesada, difícil de carregar, que nos limita e nos definha, que nos enfraquece, lentamente. Se com toda força do nosso pensamento nós não estamos criando a realidade que desejamos, precisamos então, olhar para outra direção.
A segunda manifestação da maturidade é o DESPERTAR, a iluminação e a clareza de que tem algo a ser feito sobre nós. É quando começamos a sentir um incomodo dentro da nossa armadura, que limita nossos movimentos. É quando vivenciamos um vazio interno, algo não preenchido, que temos dificuldade de explicar, algo ligado a significado e sentido de vida. Daí, quando surgem dor e insatisfação, emerge também uma grande oportunidade de mudança. O que vem depois, dependerá do que fazemos com esta nascente inquietude interna.
Quando vivemos estes dois passos, nasce um sentimento de REBELDIA e uma incrível necessidade de realizar transformações significativas na vida.
Eu nunca fui rebelde. Não lembro de nenhum momento de minha existência em que eu tenha transgredido algo significativo ou provocado alguma reviravolta fundamental. Que pena! Que vida sem graça! Eu sempre fui o bom moço, o bem-comportado, o seguidor das regras, o pai equilibrado, o filho exemplar, enfim, o previsível e ombro seguro e amigo para todos.
REBELDIA
O texto publicitário que avalio como o mais espetacular já construído, vem de um comercial de TV chamado “Here’s to the crazy ones” (“Isto é para os loucos”), de 1997, que era parte de uma campanha publicitária da Apple chamada “Think different” (“Pense diferente”). O vídeo, em preto e branco, de 1 minuto, mostra as imagens de personalidades que provocaram transformações importantes no mundo, como Albert Einstein, Gandhi, Thomas Edison, John Lennon e Pablo Picasso.
Eis o texto (em tradução livre para o português, já que o original está em inglês):
Isto é para os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. As peças redondas nos buracos quadrados. Os que veem as coisas de forma diferente. Eles não gostam de regras. E eles não têm nenhum respeito pelo status quo. Você pode citá-los, discordá-los, glorificá-los ou difamá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Eles empurram a raça humana para frente. Enquanto alguns os veem como loucos, nós vemos gênios. Porque as pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o mundo, são as que de fato, mudam.
O vídeo do comercial original está abaixo (com legendas em português um pouco diferentes do texto acima).
Eu me emociono todas as vezes que assisto este vídeo ou leio este texto.
O comercial fala em sermos rebeldes e loucos para mudar o mundo. Mas se, em vez de “mudar o mundo”, eu pensasse na REBELDIA da “minha própria transformação como ser humano”, para buscar a minha verdadeira essência, a minha luz interior, sendo corajoso e louco suficiente para mudar o curso da minha história?
Eu adotei esta rebeldia para minha vida: me permitir sonhar e transformar sonhos na minha realidade. Sendo mais específico: construir o caminho dos meus sonhos e me comprometer com eles.
Quando começamos a sentir que precisamos mudar, é porque já mudamos.
Foi isso que aconteceu comigo. O meu processo de mudança começou e se tornou irreversível. Fiquei diante de um impasse: ou reprimia a mudança tolerando conviver com a sensação de incompletude, ou acelerava a mudança e tomava decisões para ressignificar a minha vida.
Um redirecionamento de curso de vida envolve muitas coisas. Uma delas é DETERMINAÇÃO. Eu tomei consciência de que não deveria valorizar demais o passado, e sim valorizar intensamente a vida que eu tinha em mãos e o que estava por vir. Um lobo solitário, dentro da minha cabeça, sussurrava: “Olhe para frente, levante a cabeça, não perca tempo olhando para trás”.
Quando você precisa tomar uma decisão, ela já está tomada dentro de sua cabeça, você sabe o que precisa ser feito, basta apenas afastar a névoa que atrapalha sua visão.
E você? Teria coragem para mudar o curso de sua história?
CORAGEM DE MUDAR
A CORAGEM DE MUDAR a direção da vida é um Supernova que explode em três direções: “sonhar acordado”, “quebrar a armadura” e “viver o presente”.
Certa vez, em um dos meus cadernos, no auge da minha crise em 2020, eu escrevi para mim mesmo:
Permita-se se surpreender com você mesmo. Aceite o movimento do universo para levar você para novas condições e possibilidades. Jogue-se no fluxo das coisas, aceite uma mudança de curso, seja incoerente, as vezes até irracional, mas busque dentro de você o ser desconhecido que está louco para desabrochar. Transgrida, algumas vezes. Atenda seus impulsos e espontaneidade. Ao fazer isso, o dia ganha novas tinturas, torna-se inesquecível, a vida ganha novas dimensões, tornando-se ilimitada e surpreendente.
Não importa a idade e nem o contexto de sua existência, não importa os mares e nem a direção do vento, por mais difícil que possa parecer, o leme do barco de sua vida está sempre em suas mãos e sob seu comando. A vida é uma aventura.
Sacramentei que a minha mudança acontece no presente, estando ela condicionada a palavras como: prontidão, iniciativa e agilidade.
No livro Maktub, de Paulo Coelho, é dito: “Viva o bem-estar e o momento do presente intensamente, porque ele não pode ser economizado ou poupado para o dia seguinte”.
Uma mudança a ser realizada no futuro não significa nada, é apenas uma promessa. Um sonho a ser alcançado no amanhã é apenas um devaneio, sem nenhum valor prático e frutífero. Na verdade, um sonho para o futuro é gerador de angústia, um motivo de sofrimento no presente por ser algo a ser plantado que será colhido mais à frente. Tudo parece perda de tempo. Quanto mais tempo procrastinarmos por algo, mais distante este algo estará.
EU SEI, MAS NÃO DEVIA
O poema “Eu sei, mas não devia” de Marina Colasanti, começa com o seguinte parágrafo:
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
O mesmo poema, tem o seguinte parágrafo final:
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta, de tanto acostumar, se perde de si mesma.
Veja o poema completo de Marina Colasanti, recitado por Silvio Matos.
Vivo este momento de não me acostumar com as coisas, de não aceitar a inércia, de reagir contra a natural imobilidade e do quase inevitável torpor da segunda metade de vida. Por isso o poema acima surge muito impactante diante dos meus olhos. Tudo isso me provoca uma ressignificação de vida.
Enfim, é uma fase de muitas reflexões, que me surgem emboladas e intensas, mas ao mesmo tempo me parecem muito claras e cristalinas. Sinto também um latente entusiasmo por estar construindo um novo sentido de vida para a minha existência. Onde isso vai dar? Eu não sei muito bem, mas me sinto rejuvenescido e em movimento. Minha atual receita de vida tem um pouco de chatice, minimalismo, egoísmo, prontidão, rebeldia e coragem. Tudo junto e misturado.
“Para que algo novo cresça dentro da gente, é preciso deixar algo para trás. O processo de substituição é universal e existe em toda natureza. A borboleta abandona a crisálida para se libertar.” – Professora Lúcia Helena Galvão na palestra “Comentários Filosóficos sobre Bhagavad Gita”.