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O livro “Marketing e Comunicação em Tempo Real” é um tapa na cara!

Ler o livro “Marketing e Comunicação em Tempo Real” de David Meerman Scott, publicado pela Editora Évora, foi um tapa na cara. Todo profissional de marketing e comunicação precisa ler esse livro… várias vezes.


A minha primeira reação foi uma vontade enorme de jogar no lixo o meu exemplar da 3a. edição do livro “Administração de Marketing” de Philip Kotler, impresso em 1994, cheinho de marcações pessoais, que eu ainda guardo na minha estante empoeirada. Depois pensei em escondê-lo para não correr o risco de um estudante qualquer reaproveita-lo. Enfim, é claro que estou brincando, mas David Meerman Scott questiona seriamente dogmas instituídos pelos profetas do marketing, alguns julgados incontestáveis e apresentados como pilares inabaláveis em qualquer curso de marketing e comunicação.A bem da verdade, o tal dos 4 P’s de marketing já vêm sendo questionados há muito tempo. Já apareceram outros Ps como “People”, “Process”, “Perception”, Personalização, Pesquisa e todos os outros “Ps” que os estudiosos de marketing conseguiram encontrar no dicionário.

Porém, ninguém havia falado até então de forma tão contundente sobre a relevância do Tempo na atividade de marketing e comunicação, a ponto de escrever um livro sobre o tema. E isso muda muita coisa. O Tempo faz o velho ditado “O excelente é inimigo do bom” funcionar como uma base do marketing moderno. Ser ágil pode ser muito mais importante do que ser preciso. Chegar primeiro pode fazer toda a diferença, mesmo que você chegue de bermuda e camiseta numa festa de smoking. Por trás disso está a internet. Como citado no livro, “a internet mudou fundamentalmente a escala de tempo dos negócios”. Essa mudança no ritmo da sociedade, não só dos negócios, tem por detrás “a diminuição drástica do fator tempo, amplificando radicalmente a importância da velocidade”. O problema é que as empresas ainda são comandadas por pessoas da era pré-internet, enquanto que a nova geração de consumidores e funcionários nasceram, vivem e respiram a internet a cada minuto. Por conta disso, as expectativas dessa nova sociedade estão aumentando. A geração Y é o principal exemplo, já que tempo de espera é algo não assimilado por essa geração. Esse choque de perspectivas vem causando transformações interessantes no mundo dos negócios e do trabalho.

Segundo David, o planejamento de marketing continua sendo importante, mas a flexibilidade e a capacidade de reação passam a ser uma vantagem competitiva indispensável. Isso sempre foi coberto pelos livros dos gurus de marketing, mas quase sempre no rodapé das páginas e de forma marginal. Qualquer planejamento é feito em cima de um cenário estático e de um conjunto de premissas, mas o mercado é dinâmico, o mundo online em tempo real da web faz tudo mudar o tempo todo. Reconhecer “uma situação com potencial para se tornar um bola de neve, avaliar os possíveis desdobramentos” e estar preparado para reagir passa a ser um diferencial importante para as empresas, independentemente se essa situação for uma ameaça ou uma oportunidade para a organização. Saber aproveitar cada momento é a nova dinâmica do mercado extremamente competitivo que vivemos hoje.

David afirma que “a mentalidade em tempo real não está na agenda corporativa ou no currículo das escolas de negócios”. E isso parece ser verdade mesmo. Os executivos, de forma geral, não gostam de tomar decisões rápidas. Eles procrastinam pois super valorizam os riscos e minimizam os possíveis benefícios. Querem ter todos os detalhes avaliados, escritos no papel, antes de qualquer tomada de ação. Mas não é só isso. As empresas cada vez têm organizações mais complexas, onde as decisões normalmente não ficam nas mãos de uma única pessoa. Decisões corporativas exigem reuniões, avaliações dos “especialistas”, aprovações de várias linhas organizacionais, e enquanto a empresa fica no “vai e fica”, aquela oportunidade especial de mercado escorre pelo ralo. Isso ocorre todos os dias nas empresas.

Mesmo com todas as ferramentas tecnológicas modernas de comunicação, as empresas ainda patinam em suas estruturas funcionais e no tradicional excesso de cautela. Na nova equação de competitividade, a empresa moderna terá que saber combinar melhor planejamento e análise com velocidade e agilidade. Mas essa equação não funciona em qualquer organização. Para uma empresa ganhar velocidade e agilidade, ela precisa trabalhar de forma descentralizada, dar mais autonomia e poderes para os seus funcionários, fazer a organização funcionar de forma mais fluida, cultivando a cultura da co-responsabilidade e do foco total no cliente. Isso significa uma cultura de transparência e colaboração.

Como esperar que uma empresa fechada, com cultura hierárquica, tenha velocidade? Como uma empresa pode ter agilidade se tudo passa pela aprovação do chefe? Ou seja, a cultura corporativa pode ser uma barreira e tanto. As empresas devem estimular os funcionários a tomarem decisões, com rapidez, mesmo que sejam decisões individuais se necessário, tendo a certeza que sua empresa apoia e admira esse tipo de atitude. Criar um ambiente colaborativo, onde os funcionários se sentem confiantes para agir com autonomia, nas situações imprevistas e nas oportunidades, assumindo riscos, pode exigir uma mudança cultural da empresa, o que não é simples e fácil. É aí que as empresas caem numa armadilha, pois muitas delas confundem mentalidade em tempo real e colaboração com a implementação de ferramentas. As empresas criam uma página no facebook e se põe no twitter, mas esses são apenas os meios, o importante é mudar a mentalidade ao novo ambiente que essas ferramentas propiciam. Caímos de novo na vertente da cultura corporativa.

Uma das conseqüências mais fascinantes do marketing em tempo real é a quebra de um conceito antigo: a separação das disciplinas de marketing e comunicação. Muitas empresas ainda privilegiam comunicação externa (RP) em detrimento da comunicação interna. RP para algumas empresas é Relações com a Imprensa, o que é muito diferente do RP de Relações Públicas. No mundo atual tudo isto está se misturando numa velocidade incrível. A separação das disciplinas é algo com os dias contados. As empresas ainda vão demorar um tempo para descobrir isso em função da inércia corporativa, mas a confluência e a junção das disciplinas serão inevitáveis.

Um dos momentos em que as empresas descobrem que está tudo misturado é na crise. São nos períodos de dificuldade que as diversas áreas de uma organização têm que sentar juntas para se coordenar. Por que, então, não trabalhar também juntas nas oportunidades? Aliás, são nas crises que a mentalidade em tempo real aparece com mais força nas empresas. As mídias sociais trataram de aumentar essa criticidade. Mas, como diz David, “se são nas mídias sociais onde o fogo da crise se alastra primeiro e mais rápido, também é ali que estão as substâncias que retardam o fogo”. “A empresa precisa atuar de forma ágil, honesta, abrangente, segura, tanto nas mídias que controla (seu site, sua página no facebook, seu twitter, etc) quanto nas comunidades abertas”. Numa crise, têm determinados momentos que a sociedade e seus clientes esperam pela resposta e pelo posicionamento da empresa. Não deixe passar esse momento. Depois Inês estará mais do que morta.

David apresenta uma proposta ousada, que eu simplesmente adorei: a criação de um cargo sênior chamado “diretor de comunicações em tempo real”. O conceito é simples. A implementação do marketing e comunicação em tempo real é tão desafiante e complexa, que a maioria das empresas vai realmente precisar de um profissional de alto nível, com autonomia e capilaridade de atuação, e também com legitimidade perante o ecossistema de entidades que se relaciona com a empresa (clientes, fornecedores, parceiros, etc). David lembra que na década de 1990, quando as empresas falavam na necessidade de um novo profissional, surgiu o webmaster. Lembra disso? Hoje, as empresas estão nomeando especialistas e estrategistas de mídias sociais, mas isso é pouco para o desafio que se espera na área dentro das empresas. O cargo somente ganhará importância, relevância e eficácia se vier atrelado com autonomia, recursos e compromisso da organização. Será uma jornada de transformação, e por isso a tarefa não poderá ser liderada por qualquer pessoa, tem que ser por alguém sênior e experiente. Ironicamente, no tempo da publicação desse livro, muitas empresas ainda entregam sua estratégia e execução em mídias sociais para estagiários e funcionários com pouca experiência e bagagem profissional. Essa é uma mensagem muito ruim para a organização e para os seus clientes.

Ao analisarmos os dez sites com maior tráfego na internet no mundo, descobrimos que sete são sites de mídia social e três são sites de busca. Apesar das empresas ainda realizarem um acanhado investimento publicitário nas mídias sociais, elas já descobriram que o futuro na atividade de relacionamento com os clientes está ali. Uma pesquisa publicada no final de 2010 concluiu que mais de 70% dos consumidores apontam as mídias sociais como o melhor canal para se relacionar com as empresas. Isso é ótimo, pois as mídias sociais permitem às empresas conhecer melhor seus clientes, suas preferências, sua avaliação sobre a marca, produtos e serviços. Mas como capturar milhares ou milhões de feedbacks e percepções esparsas na grande web e transforma-los em conhecimento e relacionamento de real valor? David desenvolve o conceito de Web Social, que é a aplicação de tecnologias de busca, classificação, análise semântica e de inteligência de negócios para analisar as conversas distribuídas sobre um produto ou empresa, com intuito em quantificar a tendência da percepção e influência de cada conversa. O marketing, com claro viés de publicidade, sempre foi muito de falar via sua propaganda e pouco de ouvir os clientes. Agora entrarmos na era de escutar e conversar, em tempo real. Bem-vindo ao novo marketing!

Acredito firmemente que os líderes de marketing e comunicação das empresas já estão mais do que conscientes de que velocidade e agilidade são importantes para o seu sucesso, mas a grande dificuldade por trás disso é a tomada de decisão. Na maioria das vezes, o verdadeiro dilema é a falta de elementos e informações para uma avaliação adequada, rápida e “mais ou menos” segura. Tomar decisão no escuro é muito difícil, por isso o marketing cada vez mais será encarado como uma ciência. Vai aumentar tremendamente o foco na coleta e análise de dados. Ferramentas tecnológicas, softwares e plataformas, cada vez mais sofisticadas, estão sendo adotadas pelas empresas, independentemente do tamanho da organização. Conhecer melhor cada cliente e o mercado, suas preferências e necessidades, será uma ciência analítica e o profissional de marketing do futuro será um sujeito apaixonado por isso.

Imagino o profissional de marketing sentado na frente de um cockpit, tomando suas decisões com base em indicadores e informação online. Parece um sonho? Não, não é um sonho. As empresas estão inundadas de dados. A grande dificuldade delas é juntar tudo que tem disponível de forma organizada, confiável e ”real time”. Esse é o futuro. E esse futuro vem a galope. Softwares de “automação de marketing”, que conseguem analisar enormes quantidades de dados, já estão aparecendo e ficando disponíveis. Quanto maior o conhecimento e a disponibilidade de dados você tiver, maior será a sua capacidade para tomar decisões inteligentes no tempo correto, de forma ágil e segura.

Mas e a imagem daquele tradicional profissional de marketing criativo e intuitivo, como fica? Não se desespere. Isso ainda será muito necessário. Mas nem isso ficará imune aos novos tempos. Se você é profissional de marketing, vai lá nos seus velhos livros na estante e veja os capítulos que falam sobre gestão de marca. Você vai ver que muita coisa mudou e continua mudando. Os métodos e processos tradicionais, muitos deles ainda aplicados pelas empresas, parecem estar desconectados com o mundo em que vivemos.

Agora, a marca não pertence mais à empresa. Ela é construída e reconstruída em “real time” pelos seus clientes, são eles que falam e moldam a sua marca. A empresa não tem mais a propriedade da marca. Infelizmente o orçamento de marketing das organizações, especialmente o publicitário, não consegue mais ser tão eficaz quanto nas décadas passadas. E tende a piorar. Bem-vindo ao futuro. Enfim, acho melhor eu procurar um outro emprego pois o marketing não é mais aquele que aprendi na escola e nos meus anos de trabalho.

O texto acima foi adaptado do posfácio original contido no livro “Marketing e Comunicação em Tempo Real”, David Meerman Scott, Editora Évora.

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