As vezes caio na armadilha de pensar que a questão do empoderamento feminino e igualdade entre homens e mulheres no ambiente do trabalho é algo praticamente superado. Digo que é uma armadilha porque vivo uma rotina do trabalho onde essa desigualdade praticamente inexiste. Mas entendo que vivo numa bolha. A realidade dentro da sociedade e no mercado de trabalho em geral ainda é muito dura e injusta com as mulheres.
Inconscientemente, eu tinha em mente que a desigualdade já começava a diminuir mais aceleradamente nos cargos executivos e de liderança, porém a matéria “Mulheres desistem da liderança por pressões interna e externa” (publicada no caderno Boa Chance de O Globo de 9/7/2017) me deu um solavanco.
Separo abaixo os principais dados e afirmações que mostram a longa estrada que ainda temos pela frente.
Apenas 10% dos cargos em comitês executivos de empresas no Brasil são ocupados por mulheres. Em posições de direção e gerência, a participação sobre para 37% (dados do IBGE).
A mulher recebe 76% do salário dos homens em posição equivalente (pesquisa Talenses).
A mulher precisa se sentir 100% preparada para se candidatar a um cargo. Já os homens, quando estão 70% prontos, já se colocam à disposição para a vaga (pesquisa Springboard).
65% das mulheres já evitaram posições de liderança por achar que seriam incapazes de conciliar as tarefas de casa e trabalho. Além disso, 58% dispensaram uma promoção por achar que seria muito “estressante”.
Os homens falam durante 75% do tempo em discussões do trabalho, já as mulheres falam menos ou têm menos oportunidades para falar (segundo dados da pesquisa “Desigualdade de Gênero em Participações Deliberativas” da Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos, realizada em 2012, fornecidos em matéria da BBC).
As mulheres são duas vezes mais interrompidas em suas falas do que homens em conversas neutras (segundo dados da pesquisa da Universidade de George Washington, realizada em 2014, fornecidos em matéria da BBC).
As mulheres executivas sofrem da “síndrome da impostora”, que é quando ela conquista um cargo de liderança e se pergunta “será que estou no lugar certo?” ou “que sorte a minha!”.
Os dados acima são alarmantes, porém estão muito fora da minha realidade. Hoje, na empresa onde trabalho, na IBM, 75% do time de marketing e comunicação sob minha responsabilidade é de mulheres. Meu time gerencial tem 4 mulheres e 1 homem. A presidência da IBM América Latina é ocupada por uma mulher, bem como a IBM mundial é liderada por uma CEO. Obviamente que ainda tem muito o que ser feito, mas tenho o privilégio de trabalhar numa empresa que consegue dar mais espaço para as mulheres, criando um ambiente mais justo e igualitário.
A realidade na sociedade e no mundo do trabalho ainda é muito dura. O problema não se apresenta meramente pelos dados em si, o preconceito e o pouco caso ainda ocupam espaço no subconsciente e nas mentes de personalidades improváveis. Recentemente, um dos ícones da publicidade brasileira, Washington Olivetto, disse numa entrevista à BBC Brasil que o “empoderamento feminino” é um clichê constrangedor, tal qual as expressões “pensar fora da caixa” e “quebrar paradigmas”. Ele afirmou que essas expressões são clichês criados pela publicidade e pela sociedade. E, ainda na mesma entrevista, teve a ousadia de comparar Porsches e mulheres, o que foi constrangedor e infeliz.
Essas declarações denunciam o que se passa no fundo das cabeças de muitas pessoas, influentes ou não, na sociedade. A injustiça e o preconceito em relação à mulher na sociedade não são clichês, essa é a realidade no mundo que vivemos.
Mesmo com tantos obstáculos, as mulheres vão lentamente ocupando posições de liderança em diversas frentes, tendo que enfrentar dilemas e conflitos que surgem na medida que crescem suas responsabilidades e desafios. Nesse sentido, eu adoro a frase de Adriana Carvalho, gerente de empoderamento da ONU Mulheres, dita numa entrevista: “Há o mito entre as mulheres de ‘quanto mais alto o meu cargo, mais frenética e insana vai ser a minha vida’. Mas quando se está no topo, o poder de fazer mudança é maior”.
A percepção é que as mulheres se cobram mais quando assumem posições de liderança. Elas se sentem mais pressionadas, que é consequência da tal “síndrome de impostora” já citado anteriormente. A multiplicidade de papéis desempenhados pelas mulheres torna o desafio muito maior. Estou falando de mulheres profissionais, esposas, mães… e elas ainda se sentem cobradas pela sociedade para se manterem bonitas e joviais. Aceitemos ou não, essa é a realidade que as mulheres enfrentam, o que é uma covardia porque a expectativa existente em cima dos homens é muito menor. O resultado é que mulheres líderes carregam o eterno conflito de que seu sucesso profissional implicará em algum prejuízo de sua vida pessoal.
Eu não gosto da expressão “empoderamento feminino”, disseminada recorrentemente por todos e usada por mim nesse texto. Não me parece que é exatamente isso que as mulheres buscam. O que elas querem é igualdade de condições, direitos e deveres. Porque direitos elas têm de menos, já deveres elas têm de mais, haja visto os vários papéis que exercem na sociedade e na família. Essa é uma equação desumana.
Uma sociedade justa parte do princípio que mulheres e homens saiam da mesma linha de partida na maratona da vida profissional, das oportunidades e do convívio com a sociedade. Que não haja discriminação e preconceito. Apenas isso, nada mais. O resto deixa com elas. Portanto, em vez da palavra “empoderamento”, a melhor palavra seria “igualdade”, que representaria igualdade de condições e oportunidades.