"Quero trabalhar numa startup, num lugar que pense diferente, onde eu possa fazer o meu horário, trabalhar em casa de vez em quando, com muita inovação, liberdade, onde a gente possa transformar as coisas, com muita tecnologia, com marketing digital, gente nova como eu, etc, etc, etc.”
Foi isso que ouvi do garoto. Era dezembro de 2017, dias antes da virada do ano. Chamo de garoto, mas ele já tinha seus quase 25 anos. Ele é filho de um amigo. Tudo começou meses antes quando esse meu amigo da velha guarda comentou sobre seu filho, dizendo que ele estava buscando trabalhar com marketing digital, mas estava cheio de dúvidas e que seria uma boa conversar comigo. Eu disse sim, mas na minha cabeça rolava um “não sei não”. Publico este post com a autorização prévia dos dois, para que ninguém pense que estou abrindo confidências não autorizadas aqui (ainda que não vá citar nomes).
Era um dia de semana. Marquei um café da manhã em um lugar legal para ter tempo de conversar, embora tenha ouvido o garoto muito mais do que falado. Ele tem boa cabeça, excelente formação, brilho nos olhos, mas lembro da minha preocupação em ele estar “fechando” excessivamente o seu alvo.
Eu o deixei falar bastante, até chegar o momento de fazer uma pergunta a ele:
– Por que você está limitando a sua busca a empresas digitais ou startups? Por que não procurar empresas maiores, já estabelecidas, com longos anos de história?
Ele me olhou e respondeu secamente:
– Porque gostaria de trabalhar em empresas que estão mudando as coisas, o mundo, sei lá, algo assim. Não quero trabalhar em empresas velhas.
Olhei para ele e falei:
– Essa vai ser uma resposta longa, mas acho que é preciso. No mundo que vivemos hoje, parece que todos nós só temos olhos para as empresas de transformação digital. Mas olhe o mundo ao seu redor. O mundo funciona porque existe um manancial de organizações que viabilizam as nossas vidas: eletricidade, telecomunicações, serviços bancários, distribuição de água, produção de alimentos, fabricantes de qualquer coisa, serviços de todos os tipos etc.
Apontei para a mesa à nossa frente e continuei:
– Aqui em nossa mesa de café tem bebida, xícara, talheres, alimentos, utensílios de plástico, aço e guardanapo de papel. Tudo isso para chegar até aqui passou por incríveis processos, como essa colherzinha em minha mão. Nessa colherzinha estão as mineradoras, as siderúrgicas, os centros de pesquisa, a indústria química, as metalúrgicas, o comércio que vende a colherzinha, o sistema bancário etc. O computador que temos em nossas mãos não existiria se não houvesse alguém fazendo exploração de minério, produzindo baterias e toda a cadeia produtiva e de logística que permite o equipamento ser criado, produzido e entregue em nossas mãos.
Ele me interrompeu:
– Mas aonde você quer chegar?
E emendei:
– O que quero dizer é que abra a sua cabeça para as empresas que fazem verdadeiramente o mundo girar. Existem milhares de empresas, gigantescas ou não, que entregam serviços e produtos fantásticos. É impressionante ver toda a cadeia existente para fazer um produto simples, como uma geladeira, ser criado, produzido e entregue em sua casa. É difícil imaginar o quanto de inovação e complexidade existe hoje na geladeira que temos em casa, que é um produto que não tem o “appeal” tecnológico de outros bens. E, o mais incrível, existe um número enorme de empresas com décadas de existência que ajudaram no progresso da humanidade, se reinventaram e continuam investindo muitos recursos em inovação e entregando serviços e produtos sofisticados. Muitas delas vão oferecer para você um monte de portas de entrada e alternativas de carreira. Você está começando a sua vida profissional, portanto, tem que ir atrás de oportunidades de desenvolvimento e crescimento.
A conversa seguiu por aí, com ele me questionando muito. Não foi uma conversa fácil, porque ele estava literalmente convencido do caminho que buscava.
Desde então nunca mais nos falamos. Passaram-se dois anos. Semanas atrás recebo uma mensagem de WhatsApp. Era ele com novidades. Nos encontramos dias depois, quando ele me contou que havia conseguido um emprego em uma grande empresa global na indústria de alimentos. Durante os meses iniciais ele ocupou uma função, mas logo depois se movimentou para outra atividade dentro da mesma empresa. Em pouco menos de um ano já tinha tido experiência em duas áreas, sendo que atualmente trabalha em um grupo com vários projetos ligados aos centros de inovação da empresa espalhados pelo mundo. Já fez duas viagens internacionais a trabalho e tem a terceira viagem marcada. E contou que faz parte de uma equipe multidisciplinar, com profissionais de vários países, que está desenvolvendo um produto inovador e revolucionário, que deverá ser anunciado até o final do ano, mas disse que é segredo estratégico e não podia falar nada mais a respeito. Ele estava muito entusiasmado.
Perguntei a ele se estava feliz. E ele respondeu com um sorriso aberto, com um olhar agradecido por aquele papo passado. Espontaneamente, falou sobre a empresa e o quão surpreendente foi descobrir o potencial inovador dessa organização global, que tem uma longa história de transformação e impacto na sociedade.
Quanto tempo esse namoro vai durar? Eu não sei. Mas saí daquele papo com a clara sensação de que eu havia ajudado a mudar o curso da história de alguém. Confesso que me senti muito bem.
O mundo de oportunidades é muito maior do que a maioria de nós imagina. Às vezes, basta uma conversa para abrir a mente.
Esse meu jovem amigo é um bom exemplo disso. Foi o pai dele que o fez conversar comigo, talvez forçado, mas ele veio com interesse e cabeça permeável. Estar aberto para conhecer e interagir com pessoas diferentes é um bom passo para nossa evolução e crescimento, pessoal e profissional.