A história que conto a seguir é verdadeira e aconteceu comigo há muitos anos. No entanto, eu não citarei a empresa e usarei nomes falsos porque não eu tenho autorização dos envolvidos para divulgação pública.
Eu era gerente e tinha uma vaga aberta no meu time. A equipe de RH estava trabalhando comigo nessa vaga há meses. Finalmente identificamos a candidata correta. Após entrevistas maravilhosas, Débora aceitou a proposta formal e marcamos o seu início de trabalho para dentro de duas semanas. Estávamos entusiasmados porque realmente havia ocorrido uma identificação muito grande.
Uma semana depois, já com documentos assinados e o processo de onboarding em andamento, eu recebi uma ligação do RH informando que Débora havia desistido da vaga e que estavam recomeçando a busca no mercado. Eu achei estranho e questionei o time de RH. Perguntei o motivo da desistência e não gostei da resposta. Eles afirmaram que a candidata havia informado que estava abandonando o processo por motivo pessoal. Apenas isso. Naquele dia eu saí do trabalho convencido que eu deveria agir em cima do caso.
No dia seguinte, eu liguei para Débora para entender o que estava se passando. Ela atendeu minha ligação telefônica, com a voz constrangida. Era uma pessoa apática, muito diferente daquela pessoa energizada que vivenciei nas entrevistas. Ela repetiu a ladainha dita para o RH, mas eu insisti dizendo que não entendia, que nada justificava uma mudança tão radical, já que ela havia demonstrado determinação e enorme entusiasmo em trabalhar conosco. Finalmente, depois de muito insistir, ela confessou.
Débora disse que havia recebido, três dias atrás, o diagnóstico de gravidez. Aquilo foi uma surpresa pois a gravidez estava fora dos planos dela. Ela não apresentava nenhum sintoma e tinha certeza de que o exame daria negativo. Ela disse se sentir muito constrangida com a situação e ficou sem saber como lidar com isso, por isso tomou a decisão de comunicar imediatamente à empresa que estava saindo do processo, alegando decisão pessoal. Em sua mente, a possibilidade da empresa contratá-la, estando grávida, se tornou inviável.
Eu ouvi tudo calado, esperei ela conduzir a conversa do jeito dela, sem me pronunciar muito. Perguntei como o marido reagiu, se ele estava empregado e tranquilo. Ela disse que sim. Confessou que o marido já estava desejando um filho há mais de um ano, que era o sonho dele e que ele não parava de falar nisso. Contou também que o marido tinha certeza de que o bebê seria um menino e que seu nome preferido era Lucas. Já mais à vontade, Débora contou que a família estava em festa, com pais e sogros muito felizes com a novidade. Por fim, disse que não dormia por duas noites por não saber como nos dar a notícia. E, mais uma vez, falou que estava muito sem graça, repetindo que aquilo não era para estar acontecendo e que era algo completamente inesperado.
Perguntei se ela estava bem. Ela respondeu: “Estou ainda um pouco assustada, mas feliz… e insegura por não estar certa se serei uma boa mãe”.
Falei a ela que eu entendia muito bem tudo aquilo, compreendia o seu constrangimento, a sua insegurança e o inevitável conflito de sentimentos que estava vivendo. Propus que ela me visitasse na empresa dentro de dois dias, para que conversássemos melhor, justificando que eu não poderia mais continuar a conversa pelo telefone naquele momento devido a uma reunião próxima em poucos minutos.
Dois dias depois, Débora chegou na empresa. Havíamos combinado um encontro para às 15 horas. Ela chegou pontualmente. Fui recepcioná-la no térreo e fomos juntos para a sala de reunião.
Quando abri a porta, ela se deparou com mais de 30 pessoas com sorriso aberto, a grande maioria mulheres, a mesa estava repleta de docinhos, bolo de chocolate, refrigerante, copos diversos, enfeites infantis, cartazes coloridos de parabéns, chupetas e uma mamadeira. Pendurada no teto, cruzando a sala de ponta a ponta, havia uma faixa colorida escrita: “Bem-vindo Lucas, estamos esperando por você”.
Débora me olhou, surpresa, sem entender nada. Parecia atônita.
E foi a minha vez de falar: “Seja bem-vinda, Débora. Esse é o time com quem você vai trabalhar a partir da próxima semana. Você não faz ideia da felicidade que esse time sentiu ao saber que vamos ter uma nova mãe integrando a equipe. Aliás, cabe dizer, que o grupo que você vê aqui é formado em sua maioria por mulheres, e quase a metade já são mães. Portanto, de mãe a gente entende. Você vai ter um monte de gente te dando boas dicas e te ajudando em tudo que precisar. Seja bem-vinda, você e o Lucas. Estamos muito felizes com a sua chegada”.
Nunca mais esqueci esse dia. Nunca mais esqueci o choro da Débora. Aquele choro representava algo libertador, misturado com alívio e surpresa. Foi tanta emoção naquela sala, que quase todos nós choramos juntos. É incrível como a vida proporciona momentos únicos e especiais como aquela tarde. Depende apenas de nossas escolhas e atitudes.
Débora iniciou sua carreira na empresa na data combinada. Trabalhou até a véspera do nascimento do seu primeiro filho (que foi mesmo o Lucas!), teve a licença maternidade merecida e logo retornou ao trabalho. Dois anos depois ela teve um segundo bebê, dessa vez uma linda menina.
Em todo o tempo que trabalhei com ela, eu vi uma profissional dedicada e entusiasmada por fazer parte daquela organização. Ela sempre foi uma profissional brilhante, de alta performance e com desenvolvimento contínuo. Vale destacar a sua incrível inteligência emocional.
Ao longo do tempo, ela evoluiu muito profissionalmente, demonstrando habilidades e competências para assumir missões de liderança. Anos depois, Débora aceitou uma posição de gerente e seguiu carreira por outros caminhos dentro da mesma empresa. Nunca mais esqueci essa história, porque marca um dos momentos mais emocionantes da minha vida profissional.
Foi impossível não rememorar essa minha experiência pessoal ao ler um post do Giaffredo no LinkedIn. Nesse post ele chama a atenção para uma matéria do Correio Braziliense que tem o seguinte título: “Mercado de trabalho ainda é rígido com mulheres que são mães“.
Eu li e reli a matéria várias vezes. Fiquei com raiva por me deparar com tantas histórias absurdas. Senti um nó na garganta. No post do Giaffredo, eu escrevi o seguinte comentário: “estou estarrecido com essa matéria! Vou escrever um post sobre isso!”
Dias depois, eu recebo uma mensagem privada no LinkedIn. Não vou citar o nome porque é algo pessoal, mas transcrevo a mensagem a seguir:
“Sobre seu comentário em relação a matéria de mães no mercado de trabalho: não quis me expor comentando abertamente, mas estou grávida e optei por sair da empresa em que trabalho atualmente – participei de alguns processos, em alguns até estava indo bem e quando contei que estava grávida não tive sequer mais retorno do recrutador, por isso acho fundamental abordar o assunto”.
Ao ler a mensagem acima, mais uma vez, a história da Débora surgiu reluzente dentro da minha cabeça. Aqui cabe dizer algo que não contei antes. Na época, eu fui questionado dentro da empresa por insistir na contratação da Débora. Me perguntaram se era isso mesmo que eu queria e se eu tinha consciência dos impactos de minha decisão. Foram muitos questionamentos, muitos deles pertinentes e válidos. Minha resposta foi simples: minha visão na contratação da Débora era de médio e longo prazo. A Débora estava entrando na equipe porque tinha qualificações e skills diferenciados, necessários e importantes para nossos resultados nos próximos anos. Eu tinha forte expectativa dos impactos que a Débora iria causar na equipe, somando habilidades que a equipe não possuía e ajudando na formação e treinamento de todos. Além disso, a gravidez na vida de mulheres e homens é algo natural, faz parte da jornada, do desenvolvimento pessoal e até profissional. Alguma hora ela chega. As minhas razões me pareciam óbvias e inquestionáveis. E assim foi. Eu tive a palavra final, a empresa me apoiou e foi a minha decisão que valeu.
Voltando a minha narrativa.
Curiosamente, dias antes de ler o post do Giaffredo, em me deparei com um post generoso da Daniela Nudel, amiga e ex-colega de trabalho. Ela escreveu o seguinte:
“Assim que me tornei mãe, um dos mais queridos e admirados chefes que já tive, o Mauro Segura, me disse na época: “adoro trabalhar com mulheres que são mães”. E seguiu com uma lista de habilidades que ele tinha observado nas mulheres após a maternidade, grande parte delas almejadas no mundo dos negócios. Flexibilidade, intensidade, liderança, inspiração, gerenciamento de conflitos, etc. Confesso que na hora fiquei um pouco sem reação e não compreendi exatamente …. até que, um a um, os itens listados por ele começaram a fazer sentido na minha vida … e fazem cada dia mais. Inspirada, na época, escrevi o artigo “Três lições sobre Storytelling que aprendi com meu filho”.
A Daniela tem razão. Na minha vida profissional, eu sempre preferi trabalhar com mães. Não é uma questão cultural, social, de gênero ou qualquer outro viés. Pode ser que essa tendência em preferir trabalhar com mães tenha começado com o caso da Débora que contei acima.
O fato é que quando existe uma vaga aberta na equipe, que lidero ou faço parte, eu quase sempre dou prioridade para as mães. Os projetos mais complexos, aqueles que exigem grande capacidade de liderança, adaptação e articulação, lá estarão as mães no comando. Todas as vezes que tive uma chefe mãe, eu agradeci aos céus por aquela benção.
Infelizmente foram poucas vezes, porque raramente eu tive mulheres mães como líder. Enfim, quem trabalhou comigo sabe que sempre declarei abertamente: eu adoooooro trabalhar com mães!!!!
Minha preferência por trabalhar com mães tem por base um conceito único e simples, que escrevo a seguir.
Mães são profissionais excepcionais em termos de liderança, engajamento, adaptabilidade, flexibilidade, criatividade, inteligência emocional, em lidar com o imprevisto, lidar com o stress, demonstrar paixão pelo que faz e o principal: super produtividade e performance. Mães sabem equilibrar dezenas de pratos ao mesmo tempo, estão mais abertas para a diversidade, são curiosas, se antecipam as situações, sorriem e tem atitude, com intensidade, quando tudo parece estar ruindo. Mães são carinhosas, generosas e humanas.
O Fórum Econômico Mundial publicou um estudo chamado “O FUTURO DO TRABALHO”. Esse estudo apresenta as habilidades essenciais para o profissional do futuro. A mais importante habilidade é: RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS, COM PENSAMENTO CRÍTICO E ANÁLISE.
Quem sabe lidar mais com o imprevisível, encontrar soluções para problemas complexos, tirando leite de pedra, com criatividade, iniciativa, atitude e decisão? Eu sei a resposta: as mães! São tantas qualidades que é até difícil enumerar.
Eu sempre fiquei muito encucado com essa questão de mulheres e mães no ambiente do trabalho. Sempre que posso, tento aprender sobre isso. Até hoje eu tenho dificuldade de entender determinadas coisas. Em certo momento, ficou claro para mim que seria impossível ter maior clareza sobre isso, simplesmente porque sou homem e penso como homem. O caminho, então, para minimizar os meus gaps de pensamento, foi começar a ler e ouvir mulheres, porque somente elas sabem falar sobre elas mesmas.
Nesse ponto, vale a pena citar o livro “Faça Acontecer”, de Sheryl Sandberg. Ela conta a sua jornada pessoal e profissional, até chegar ao cargo de COO do Facebook. Recomendo a leitura do artigo de Larissa dos Santos publicada na plataforma Medium. Lá a Larissa faz um bom resumo do livro, com comentários pessoais. A minha visão sobre mulheres profissionais foi aprimorada depois do artigo.
Ao tomar conhecimento do livro, eu descobri a palestra do TED da mesma Sheryl Sandberg. Chama-se “Porque temos tão poucas líderes”. É sensacional e impactante. Não deixe de ver. São apenas 15 minutos (com legendas em português).
Infelizmente, o mercado tradicional de trabalho ainda é muito duro com as mulheres, e pior ainda com as mães. Por tudo que falei acima, isso me parece uma injustiça e uma miopia. Talvez a gente esteja vendo as coisas pela ótica errada.
Segundo uma matéria publicada no EL PAIS anos atrás, um estudo da Harvard Business Review (HBR) de 2014 demonstrou (com dados) que as mulheres insatisfeitas com sua trajetória profissional não atribuem isso a terem deixado a carreira em segundo plano para cuidar dos filhos, e sim ao fato de terem priorizado a carreira de seus cônjuges. A matéria publicada no EL PAÍS veio com um título forte e polêmico: “Filhos não impedem que as mulheres tenham uma carreira. São os maridos”.
Fiquei tão impactado que eu fui atrás desse estudo da HBR, que apesar de antigo (dezembro de 2014), parece mais atual do que nunca. O estudo chama-se ‘Rethink What You “Know” About High-Achieving Women‘. Em uma tradução livre para o português, poderíamos chamar o estudo de ‘Repense o que você “sabe” sobre mulheres de alta performance’. O estudo é repleto de dados e algumas informações me surpreenderam bastante. Foi uma aula para mim e rearrumou alguns conceitos na minha cabeça.
O estudo coloca luz nos gaps existentes entre mulheres e homens no ambiente profissional. Apesar da grande parte das mulheres viverem a síndrome de impostora e muitas delas se auto sabotarem constantemente no mundo profissional, a resposta para a resistência do crescimento das mães no mercado de trabalho, mais uma vez, está nos homens.
Nós, homens, somos os verdadeiros sabotadores e obstáculos para um ambiente profissional mais inclusivo e justo para as mulheres e mães.
Quem sabe um dia essa discussão seja coisa de um passado remoto?