A notícia não é nova. O assunto já anda circulando desde o início do ano passado, mas parece que agora o pessoal está discutindo mais a respeito.
Imagine que você trabalhe numa empresa e, repentinamente, recebe a seguinte informação: dentro de dois anos, todas as reuniões e a comunicação escrita dentro da empresa serão em inglês. Além disso, todas as interações entre os funcionários obrigatoriamente também deverão ser em inglês, até no cafezinho. A medida é radical e ninguém terá refresco. Todos os funcionários deverão ter fluência total no inglês escrito e falado ou perderão seus empregos.
O cenário acima é real e vem acontecendo em algumas companhias japonesas. A notícia mais radical parece ser da empresa Rakuten, o maior varejista online do Japão. Mas empresas como Nissan, Sony e outras também vêm implementando medidas parecidas. Estamos falando de empresas que empregam um contingente enorme de pessoas e que estão criando uma nova tendência no mercado japonês. Veja essas duas notícias publicadas no Japan Today e The Japan Times.
Qualquer empresa que pretenda ser um player global deve saber se comunicar em inglês, ainda mais se for prestadora de serviços. Entre os 34 países designados como “economias avançadas” pelo Fundo Monetário Internacional, o Japão tinha a menor pontuação em 2009 no teste de Inglês como Língua Estrangeira, um teste de proficiência aplicado aos estudantes estrangeiros que querem estudar no os EUA, de acordo com o Wall Street Journal.
Já no outro lado do mundo, muitas reuniões dentro da União Européia já são rotineiramente realizadas em inglês, bem como muitos documentos e e-mails. No entanto, ao analisarmos a comunicação interna nas empresas européias, veremos que ela ainda é construída usando o idioma da região, ou seja, empresas francesas usam o francês como o idioma principal na comunicação interna e também nas reuniões internas.
Pensando no Brasil, um exemplo interessante poderia ser a INBEV. Assim como há brasileiros na matriz belga, há vários expatriados estrangeiros em posições importantes na sede brasileira da AMBEV. A língua oficial do grupo é o inglês. É nesse idioma que são feitas as frequentes reuniões para intercâmbio das melhores práticas aplicadas em cada país.
Enfim, por trás disso tudo está a globalização, que dia a dia invade as nossas vidas.
Voltando à história das empresas japonesas adotarem o inglês de forma radical, eu realmente fico encucado com algumas coisas. Eis alguns riscos:
1– Os funcionários passarão a falar menos e a se expor menos, pois não estarão se relacionando em seu idioma de conforto. A tradicional cultura fechada japonesa pode potencializar isso;
2– A comunicação interna vai piorar. A capacidade de argumentação e a espontaneidade vão diminuir. A leitura em outro idioma causa cansaço e exige mais concentração;
3– A empresa vai “queimar” mais energia interna, pois muitas coisas serão feitas nos bastidores no idioma japonês para depois serem traduzidas para o inglês;
4– Certamente alguns funcionários vão reagir e demonstrar insatisfação com essa determinação. Conversas de corredores e até alguns insubordinados vão surgir. O clima interno poderá piorar;
5– Alguns funcionários talentosos poderão decidir sair por não concordarem ou se sentirem desmotivados com a decisão da empresa.
Mas acho que o principal ponto de impacto será na cultura da empresa. A cultura no Japão é tão própria e tão exclusiva, que eu acho que aquela empresa passará a ser considerada um ser estranho dentro do próprio país. E não podemos esquecer o fato de que, para fora dos limites da empresa, ao atender uma chamada telefônica de um cliente, receber um e-mail, negociar com um fornecedor ou sair para almoçar, tudo ainda será feito no idioma japonês.
Imagine a mesma situação na empresa onde você trabalha, aplique à sua rotina diária, veja a dinâmica e me responda: funciona?
Será que para se tornar global a empresa toda precisa realmente falar em inglês?
O que poderia ser feito? Muito mais eficaz seria pagar cursos para quem realmente precisa. As reuniões internas deveriam ser em inglês somente quando necessário, especialmente na ocorrência da participação de pessoas de outros países. O ecossistema operacional e a própria operação da empresa deveriam ser no idioma local. Afinal, os fornecedores, clientes e parceiros locais da empresa usam o idioma do país.
Enfim, tudo isso é a demonstração de como a globalização vem causando mudanças radicais dentro das empresas.