Estou com 64 anos e tem algo acontecendo comigo, que é muito difícil de descrever.
Eu me sinto o mesmo ser humano de sempre, mas diferente. Eu falei que era difícil de descrever!
Tem algo crescendo dentro de mim e me preenchendo. É algo bom... muito bom! Eu me esforço para tentar entender. Imagino que estou deixando o verdadeiro Mauro desabrochar, lentamente.
As coisas ao meu redor parecem mais claras e óbvias. Ganhei uma consciência de viver o que vale a pena. Tem uma evidente leveza nesse sentimento, que gera uma paz interna, que me sustenta e mantém a minha lucidez diante das decisões de vida. Isso tem forte relação com meu estágio de maturidade e desenvolvimento pessoal. É uma espécie de busca constante. É difícil explicar a energia que alimenta essa luz interior.
As diversas experiências que vivi nos últimos anos, algumas contadas no blog como a Vipassana e as consagrações do Santo Daime, e outras não contadas, tem relação profunda com essa minha busca. Tais experiências me permitem a ir mais fundo dentro de mim.
Nessa minha jornada pessoal, eu não aprendo somente com as minhas ações, atitudes e vivências, mas também através das histórias de outros, que me trazem luz e novas possibilidades. E, por isso, recentemente, fiquei feliz por ter encontrado indícios do que está se passando comigo.
Eu passei toda a minha vida construindo coisas. Agora estou na fase de me desconstruir, para depois, quem sabe, construir coisas diferentes. Agora, o meu momento é para dentro.
ALGUMA COISA SEM NOME, SEM RÓTULO
O documentário “Além do Aposento”, disponível integralmente no YouTube, traz histórias significativas. Vale ver o instagram também.
O depoimento de Devarty, 72 anos, se conectou muito comigo. Tem um trecho em que me senti completamente dentro dele. É no tempo de 1h31m45s a 1h32m24s do documentário.
Eis a transcrição do trecho:
“Tenho muita coisa pra curtir pra frente.
E são coisas que realmente agora importam para mim.
Não se trata de carreira, não se trata de dinheiro, não se trata de amor, não se trata de nada disso. É alguma coisa sem nome, sem rótulo.
Está aqui na minha frente, pertinho de mim.
Eu consigo alcançar, talvez não consiga pegar, porque é algo que eu não quero pegar.
Eu acho que é algo que está em volta de me protegendo, me projetando e me mantendo assim como sou.”
Navegando na rede, encontrei um depoimento de Ney Matogrosso que poderia adotar como minhas palavras.
“Eu tô com 81 anos.
Dentro de mim eu não estou com essa idade.
Meu corpo está envelhecendo, eu percebo.
Mas tem uma coisa dentro que permanece, é engraçado isso.
E, portanto, eu tenho preservado dentro de mim uma coisa que fora está mudando, mas dentro está lá. Sabe? Tá lá!
E não sei nem te dizer o que é, mas não é a criança, não é isso. Sabe?
Mas é uma coisa que está preservada.”
Os depoimentos de Devary e Ney Matogrosso, narrados por eles próprios, podem ser encontrados em um único post no instagram, nesse LINK. Vale muito ser visto.
Esses depoimentos me tocaram muito. Ouvi várias vezes. De alguma forma, eles descrevem o que estou sentindo, mesmo sendo obtusos e vagos.
O que sinto é algo que não tem rótulo. É algo que me mantém, que me protege, que me preserva, que me expande e me projeta. Eu sinto. E isso me basta.
Esse sol interno me alimenta, me afaga e me embala, mas não me entorpece e nem me adormece. Na verdade, esse fulgor me entusiasma para a vida, me incentiva, reduzindo a ansiedade e o desassossego acumulado e vivido ao longo dos meus sessenta anos anteriores de existência.
Passei uma grande parte da minha vida buscando conquistas e sucesso, pessoal e profissional. Agora desacelerei e minhas buscas são outras. Estou sem pressa e muito feliz com isso.
Talvez a vida seja simplesmente o que acontece quando paramos de procurar respostas e começamos a viver as perguntas
ALMA
As vezes considero que o que sinto tem a ver com a alma.
Penso que estou libertando a minha alma. Ela se tornou maior do que os limites do corpo. É envolvente... uma espécie de aura. É essa essência interna crescente que me domina e me protege.
E o corpo? O corpo está ficando mais velho, mais enferrujado. Porém, a ferrugem protege, engrossa a casca, mostra história e experiência, simultaneamente resguarda e acolhe o interior.
A ferrugem está apenas por fora do meu corpo, por dentro me sinto mais brilhante e consciente. A ferrugem protege e desenvolve a alma.
O artigo chamado “Qual é a idade da sua alma?” publicado em 2021 e assinado pela antropóloga Mirian Goldenberg, apresenta o seguinte depoimento de uma pianista de 93 anos:
“A minha idade cronológica é a idade civil, a que está registrada no cartório, é o dia em que eu nasci. Mas tem também a minha idade biológica: meu corpo, minha saúde, minha lucidez, minha memória. E tem a idade da minha alma, que é a mesma desde que eu nasci. Nunca deixei de ser a criança que um dia eu fui, minha alma é eterna, pois ela se alimenta da natureza, da música, da beleza, da bondade, da amizade, do amor e de uma vida plena de propósito. Minha idade cronológica é 93 anos, mas a minha alma é imortal”.
Em outro trecho ela diz:
“Minhas filhas falam para eu desacelerar, dizem que não preciso mais fazer tantas coisas. É verdade: eu não preciso mais, mas eu quero. Elas querem que eu pare, mas a minha alma precisa continuar crescendo, aprendendo e amando”.
E, por fim, ela diz:
“Eu não sou velha, sou uma flor do outono.”
Os vários depoimentos citados mostram que outros seres humanos vivem algo parecido com o que vivo agora e, ao mesmo tempo, evidenciam uma certa dificuldade para descrever o que sentem.
Ney Matogrosso falou: “Tem uma coisa dentro que permanece... mas não é criança”.
Concordo muito com ele: não é a criança. Porém, a minha percepção vai além da descrita por Ney. É uma coisa dentro de mim que não apenas permanece, mas cresce.
A PLANTA EM UM VASO
Busquei criar algumas imagens sobre isso e encontrei a imagem da “planta em um vaso” como uma metáfora perfeita.
Passei os meus 60 anos de vida como uma planta em um vaso pequeno, colocado no canto da sala. A planta cresceu ao longo das décadas, porém confinada pelo espaço que o vaso permitia e pela limitada luz do sol. Apesar disso, a planta estava lá, bonita, resiliente, feliz com o que recebia.
Foi assim a minha vida: muito feliz, tranquila, segura e desejada.
No entanto, depois de muito tempo, fui descobrindo que a minha vida foi um pouco contida e controlada. Fui uma planta com rega e luz limitadas. Eu estava lá, vivendo bem nas condições disponíveis. De fora, muitos desejavam estar no meu lugar no vaso. Assim eu fui.
O que aconteceu comigo ao longo dos últimos anos é que eu troquei de vaso. Fui para um vaso que se expande. A rega aumentou muito e a luz, então, nem se fala. Eu cresci internamente e continuo crescendo. Os níveis de auto-observação, consciência e espiritualidade cresceram exponencialmente. Abri minha cabeça, retirei os filtros, desatei nós de preconceito, derrubei alguns muros e o universo surgiu na minha frente. Estou viajando na velocidade da luz. Assim me sinto.
Eu sou como uma planta, que irrigo e ilumino com o sol infinito, em doses corretas. Aí eu cresço.
Talvez, isso seja VIDA. No fundo, no fundo, a vida não é o que está lá fora. A vida é o que está dentro de mim.
Dedico esse post a Marc Tawil. Foi ele que me inspirou a escrever esse artigo a partir de sua publicação no Linkedin.