No início da minha carreira, eu via presidentes e VPs das empresas onde trabalhei como seres especiais, como algo fora do meu mundo, pessoas muito diferentes de mim, abençoadas por terem algo de muito especial, que eu nem sabia muito bem o que era. Apenas me pareciam intocáveis e inalcançáveis. Esta era a imagem dos executivos criada na minha mente a partir da minha ingenuidade profissional. Para mim, eles tinham uma inteligência extraordinária e atributos únicos que os seres normais não tinham. Tinham um quê de super-herói. Eles eram superpoderosos, superdotados e predestinados. Na minha visão de vida, eu nunca chegaria a tal cargo. O meu maior sonho possível era, algum dia, me tornar gerente… muito no futuro.
Lembro de ter participado de eventos onde o presidente e alguns VPs participavam. Eu ficava olhando de longe, admirando-os. Ficava nervoso se algum deles me encarassem. Quando algum deles passava perto de mim, eu prendia a respiração, desviava o olhar, pois aquele era um momento de proximidade com alguém do Olimpo.
Me perdoem por citar tudo no masculino. Porém, infelizmente, essa era a realidade vivida no início de minha vida profissional. Todos eram homens, talvez com exceção da posição da liderança de recursos humanos, onde em determinado momento foi anunciada uma mulher para a posição.
Ao longo do tempo, com a evolução de minha carreira, fui assumindo cargos gerenciais. Em função disso, eu fui ficando mais próximo do comando maior das empresas. Os líderes das organizações se tornaram mais visíveis de mim, passei a vê-los de forma diferente e o manto celestial começou a cair lentamente. Descobri que eles eram parecidos com gente normal, que tem família, que falam sobre assuntos aleatórios e que não sabem de tudo. Descobri também que nem tudo que eles pensam, ou fazem, é necessariamente o certo ou o melhor, para empresa e para sociedade.
Logo nos meus primeiros anos como gerente, eu aprendi que ser gerente médio é, talvez, o maior desafio dentro de uma pirâmide organizacional. Caso você ocupe esta posição, imagino que você está em uma espécie de sanduíche, provavelmente de maionese.
Na parte de cima está a liderança da organização, que pressiona você no cumprimento dos objetivos de negócio, que te desafia com aumento de metas e redução de recursos.
Na parte de baixo está o time que você comanda, com todas as pressões naturais e individuais demandada por cada integrante da equipe, a hercúlea tarefa diária de contornar conflitos, tirar o melhor das pessoas e ser avaliado como um excelente líder pelas inevitáveis pesquisas de avaliação que toda a empresa implementa.
No meio está você… está a maionese. Você tem que representar a liderança para a sua equipe e você tem que representar a equipe perante a liderança. Você é a maionese que escorrega entre as duas fatias de pão deste sanduíche organizacional, tentando aproximar as duas partes, buscando a integração “quase impossível”, conciliando interesses e defendendo as duras penas a percepção de que tudo é uma coisa única. Ok! Você representa as duas partes, mas quem representa você?
Uma outra possível imagem metafórica para esta situação seria um cabo de guerra, onde você é a corda.
Na maior parte das vezes, é na gerência média que nossos sonhos e ideais sofrem os maiores abalos. Parece que se abre um poço profundo dentro da gente. Parece que a chama interna se apaga. Ficamos mais próximos do mundo pagão. Descobrimos que nem sempre os líderes agem pensando na organização como prioridade. Identificamos que nem todos são bons e generosos. Talvez, até, pense que a grande maioria deles coloque os interesses pessoais na frente das prioridades da organização e das comunidades as quais eles dizem pertencer. Surgem os grupos de interesse, os conflitos, as relações pessoais tóxicas, a luta pela preservação da espécie e tudo mais. A partir deste ponto é que nossos ideais, de alguma forma, começam a derreter. Este é um momento duro de descoberta da realidade, o sentimento de decepção é forte e dilacera os nossos sonhos.
Não quero evoluir nessa discussão da gerência média, porém quero acrescentar algo mais e uma leitura bem pessoal. Ser gerente de nível médio não é ruim, porém reconheço que é um enorme desafio para quem é alçado a essa posição, exigindo inteligência emocional, resiliência, generosidade e a nobre capacidade de abrir mão de interesses individuais em prol do grupo. Tudo isso envolve o desenvolvimento contínuo da arte de engolir sapos. Nem todos conseguem atravessar esse mar revolto. Muitos naufragam no meio da viagem, outros se arrependem de terem direcionado suas carreiras para liderar e cuidar de pessoas. Porém, outros se descobrem como reais líderes de pessoas, aprendendo muito bem o ofício e como “jogar” o jogo da liderança.
Eu atravessei a gerência intermediária com muita dificuldade nos primeiros anos. Infelizmente eu era muito idealista. Na minha ingênua cabeça, como já falei antes, os líderes das empresas eram pessoas brilhantes, com pensamentos nobres e totalmente focados para o bem das pessoas e da organização. Por outro lado, os funcionários eram pessoas trabalhadoras, automotivadas, amáveis, pacientes e sedentas por aprender e crescer profissionalmente. Atuar como gerente derrubou esta série de conceitos (talvez mitos) que eu tinha na cabeça.
Eu já publiquei um artigo em que conto o momento que me dei conta que eu era um péssimo líder. Aquela experiência foi um “change point” na minha carreira como gerente. Com o passar do tempo eu fui ficando mais atento ao jogo corporativo, ao mundo real e as tramas paralelas que ocorriam nos bastidores do mundo do escritório. A partir desta lenta transformação eu comecei a ser um gestor mais resignado, eficaz e consciente. Ao longo do tempo fui me tornando um gestor com visão mais holística, aprendendo a equilibrar os pratos em minhas mãos, com foco nos resultados e uma satisfação interna pessoal por liderar e transformar pessoas.
Quando fui promovido a diretor, eu não somente fiquei mais próximo do Olimpo, como também entrei no Olimpo! Ganhar uma espécie de passe livre para acesso à “casa dos deuses” me possibilitou a descoberta de muitas coisas. E, tais descobertas, redirecionaram algumas linhas possíveis da minha carreira.
Descobri que muitos líderes se sentem pessoas solitárias, voltarei a esse ponto mais adiante. Outros passam a viver um cotidiano mais tenso, de pressão constante, da sensação pesada de que nunca têm ou terão o controle das coisas e de que a linha de chegada nunca chega, especialmente por depender dos times que lideram para entregar o resultado esperado.
A grande maioria relata que a liderança exige mais dedicação, consome muito tempo e que é mandatório aceitar a vida profissional “roubando” cada vez mais parcelas da vida pessoal. Essa é a regra do jogo, aceitando-a ou não. Quanto mais alta a posição executiva na pirâmide organizacional, maior será a demanda da organização e a auto demanda pelo sucesso profissional, invadindo dimensões preciosas da vida pessoal.
Trabalhei com amigos e colegas que cresceram comigo profissionalmente, sendo que muitos alcançaram as maiores posições possíveis em uma organização. Estou falando de amigos que ocuparam posições de presidente e/ou VP em grandes empresas, como Microsoft, IBM, Intel, HP, Lenovo, NCR, Claro, Oi, Atos, Avaya, BRF, Braskem, Nokia, Tinder, etc. Alguns colegas eu conheci como estagiários e agora lideram grandes organizações, inclusive no exterior. São pessoas que iniciaram a carreira ao meu lado, portanto tais experiências tangibilizaram para mim o que é a jornada da vida de lideranças executivas de sucesso. Cabe dizer que são homens e mulheres incríveis, que admiro e que até hoje são amigos e amigas.
Quando olho para este grupo de pessoas que conheço tão bem, me arrisco a dizer que parte deste grupo convive muito bem com a posição de liderança que ocupa, sabendo lidar com as demandas e exigências que o cargo exige. No entanto, alguns líderes se sentem aprisionados por não conseguirem sair da armadilha onde se meteram, não se sentindo plenamente realizados porque tiveram que abrir mão de suas convicções, dizem não ter tempo pessoal, convivem com a síndrome da “rainha de Inglaterra” (especialmente nas empresas globais) e se sentem obrigados a jogar o jogo político corporativo sem fim que machuca o estômago, tudo associado à dedicação 24×7. De certa maneira, essas mesmas sensações ocorrem em todos os níveis de liderança, não somente na posição maior dentro de uma empresa. Basta liderar pessoas que tudo isso emerge imediatamente.
Quando converso com alguns destes amigos que são super líderes, é inevitável falar da sensação de solidão. Parece que a liderança mastiga as relações humanas, tudo passa a ter algum interesse ou desdobramento, fazendo com que os relacionamentos deixem de ser verdadeiramente genuínos. Esta sensação de falta de autenticidade nas relações é perturbadora para a maioria das lideranças porque cria uma sensação crescente de isolamento e rejeição. Isso, de algum modo, enrijece a alma e aumenta o afastamento das pessoas, causando uma mudança de personalidade que pode afetar relações familiares e amorosas.
Quando terminei de escrever este artigo, eu resolvi pesquisar na internet algum conteúdo que pudesse agregar algum ponto de vista adicional. Encontrei um incrível vídeo da Casa do Saber de apenas 2 minutos, chamado “Para ser líder é preciso encarar a solidão”, com Annie Dymetman. O vídeo é incrível porque Annie consegue resumir, de forma precisa e clara, o que é a solidão da liderança. E, surpreendentemente, ela usa também a imagem do sanduíche que citei no meu texto. Assista porque vale a pena.
Uma outra característica, que poucos comentam, é que líderes, em sua maioria, não gostam de turbulência. No entanto, como sabemos, na era em que vivemos, mudanças e transformações são inevitáveis para o sucesso de qualquer negócio. Isso os líderes sabem e buscam. Porém, na construção e evolução do time que lideram, eles preferem times que não criam problemas.
O viés de montar um “time afinado” faz com que os líderes busquem pessoas que pensam igual a ele, jogando a diversidade organizacional para o escanteio. Eles preferem os parecidos sob o conceito de “manter a unidade do time”, mas no fundo o que prepondera é o instinto de preservação e resistência ao contraditório, porque o antagonismo gera desgaste e “calor organizacional”. Por isso, generalizando, é possível afirmar que as empresas preferem aqueles que criam menos problemas.
No jogo corporativo de lidar com os desafios profissionais e alcançar sucesso, todos nós, de uma forma ou de outra, criamos um “personagem profissional”. Ou, aquilo que desejamos ser. Ou, melhor, aquilo que desejamos que os outros pensem da gente no ambiente do trabalho. Já escrevi bastante sobre isso no meu blog e linkedIn, dizendo que o trabalho é um palco e todos os trabalhadores atuam como atores e atrizes. É duro de encarar, mas acho que esta metáfora faz muito sentido. Qual é o seu personagem?
Descobri que uma parte dos executivos e executivas das empresas não são autênticos, eles são personagens por eles mesmos construídos ao longo tempo, idealizando o que deveriam ser, se violentando emocionalmente por permanecerem rigidamente pendurados no personagem que criaram. Isso reforça a solidão do poder, porque eles não têm com quem conversar de forma aberta e transparente.
Eles parecem ser líderes colaborativos, equilibrados, com estrutura de pedra para lidar com tantos problemas e desafios de negócios, suportando uma pressão contínua e todo o tipo de mazelas que a liderança de uma organização sofre. Mas dentro daquele ser humano aparentemente inquebrantável, vive um ser humano solitário, muitas vezes frustrado com a armadilha onde se meteu, sem ter coragem para dar um passo para trás ou para o lado, porque na cartilha dele, somente o passo para frente é considerado.
No final de tudo, eles são atores e atrizes do próprio enredo de vida profissional que eles criaram para eles mesmos. Podemos até especular se esta mesma visão ácida também se aplica a outros líderes das organizações, como as gerências intermediárias e as primárias. Eu, particularmente, acredito que sim.
Em determinado momento, todos nós somos pressionados para atuarmos dentro da expectativa criada pela empresa e pelas pessoas ao nosso redor. Quando nos damos conta, já entramos no ciclo teatral do jogo corporativo. Peço desculpas por ser extremista e negativo na minha abordagem, mas acredito que é boa forma de provocar a reflexão das pessoas.
Se você perguntar para mim se em algum momento eu criei um próprio personagem. Eu respondo com tranquilidade que sim. Essa é a resposta verdadeira. No entanto, quando virei os 50 anos de idade, um click deu dentro de minha cabeça e eu comecei a me desnudar de todos os mantos e véus que eu mesmo havia colocado sobre mim, e isso aconteceu em todas as dimensões, tanto pessoal, quanto profissional, mas muito mais fortemente do lado profissional.
Esse movimento consciente e intencional me tornou mais leve, aliviou minhas dores e ansiedades. Na verdade, foi mais do que isso. Ao ter muitas dores e ansiedades reduzidas, sobrou espaço para novos sentimentos e horizontes. Ainda vivo essa jornada, mas com a sensação de que já estou voando.
Esse click que senti é algo que acontece com muitas pessoas que tem uma histórico de liderança executiva. Constatei isso em minhas mentorias. É mais comum do que imaginamos. Em determinado momento da vida parece que não queremos mais seguir com aquela vida profissional, que ela não nos preenche mais. Surge um incômodo crescente, que logo se converterá em inquietude, e tempos depois poderá se transformar em um redirecionamento de vida. Por outro lado, muitos líderes seguem o curso da vida profissional de liderança, possivelmente tornando-se conselheiros e consultores.
Em época de grandes transformações na sociedade, como a adoção massiva de novas tecnologias, o surgimento de novas profissões e novas formas de trabalhar, emerge a necessidade de repensarmos a liderança… é preciso uma liderança mais humana, mais empática, mais aberta, que reconheça suas vulnerabilidades e limitações. O período traumático pós-pandemia acelerou algumas destas questões e provocou o tsunami transformacional que estamos vivendo. Muitas coisas mudaram de forma acelerada e continuam mudando, mas tenho a impressão de que a liderança ficou para trás. A liderança precisa mudar, mas também precisamos ver a liderança de forma diferente.
E você? Qual é a sua visão sobre o lado sombrio da liderança? Será que fui exageradamente ácido?
Talvez sim, talvez não. O fato é que líderes não gostam de falar de suas dores, ansiedades e frustrações. Isso “prejudica” sua imagem, evidencia fraqueza e sugere vulnerabilidades.
Seria tão bom se nas relações do trabalho pudéssemos conversar mais sobre isso, de forma mais aberta e transparente, certamente todos se beneficiariam.